segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

com os dentes cravados na memória

come poesia menina
come poesia
não há mais metafísica
no mundo
do que comer poesia

temos delicados
drops de anis
ou
chocolate de café
para festejar

Leila Diniz

Artur Gomes Fulinaíma

https://fulinaimagens.blogspot.com/

            vertigem 12

 

o barro do valão que os pés pisaram impregnou o sangue transpirou  nos poros o limo embaixo das unhas lembra-me o lugar de onde vim aquele sertão alado como uma ilha de creta montando alazão enluarado pre-destinado a ser poeta não tracei a linha reta já nasci um anjo torto nada em mim se concreta no meu sonho – desconforto –

 

Artur Gomes

O Homem com A Flor Na Boca

https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com/




quando olho nos olhos

sei quando uma pessoa

está por dentro ou está por fora

quem está por fora

não sustenta um olhar que demora

diante do meu centro

este poema me olha

 

Ali

se Alice ali se visse

quando Alice viu e não disse

se ali Alice dissesse

quanta palavra veio e não desce

ali bem ali dentro da Alice

só Alice com Alice ali se parece

 

                                      Paulo Leminski



atentado poético

 

mesmo se eu estivesse nua você nunca saberia quem eu sou muitas vezes  diante do espelho essa coisa trans/vestida com a espada de Ogum Beira Mar eu tenho o sal entranhado em minhas coxas e o veneno na língua como um poema/pomba que não é da paz um artefato anti/bélico que pode explodir neste instante em que ela pode muito bem e quer enquanto você me V(l)ER.

 

Federika Lispector

www.fulinaimicas2.blogspot.com

 


pérola dourada

 

houve um tempo

numa primavera passada

conheci pérola dourada

numa pedra onde o tempo

desta saudade

por toda pele grafia

  

na minha íris/retina

trouxe a pérola dourada

na menina dos meus olhos

olhando os olhos da menina

em cada pedra que havia

 

Federico Baudelaire

www.artur.fulinaima.blogspot.com


Cântico dos Cânticos Para Flauta e Violão

 

oferta:

 

saibam quantos este meus versos virem

que te amo

do amor maior

que possível for

 

canção e calendário

 

sol de montanhas

sol esquivo de montanhas

felicidade

teu nome é

Maria Antonieta D´Alkmin

 

no fundo do poço

no cimo do monte

no poço sem fundo

na ponte quebrada

no rego da fonte

na ponta da lança

no monte profundo

nevada

entre os crimes contra mim

Maria Antonieta d´Alkmin

 

felicidade forjada nas trevas

entre os crimes contra mim

Maria Antonieta d´Alkmin

 

não quero mais as moreninhas de Macedo

não quero mais as namoradas

do senhor poeta

Alberto d´Oliveira

quero você

não quero mais

crucificadas em meus cabelos

quero você

 

não quero mais

a inglesa Elena

não quero mais

a irmã na Nena

não quero mais

a bela Elena

Anabela

Ana Bolena

quero você

 

toma conta do céu

toma conta da terra

toma conta do mar

toma conta de mim

Maria Antonieta d´Alkmin

 

e se ele vier

defenderei

e se ela vier

defenderei

e se eles vierem

defenderei

e se elas vieram todas

 

numa guirlanda de flechas

defenderei

defenderei

defenderei

 

cais da minha vida

partida sete vezes

cais da minha vida quebrada

nas prisões

suada nas ruas

modelada

na aurora indecisa dos hospitais

 

bonançosa bonança

 

convite

 

escuta este verso

que eu fiz para você

para que todos saibam

que eu quero você

 

imemorial

 

gesto de pudor de minha mãe

estrela de abas abertas

não sei quando começou em mim

em que idade

em que eternidade

em que revolução solar

do claustro materno

eu te trazia no colo

Maria Antonieta d´Alkmin

 

te levei solitário

nos ergástulos vigilantes da ordem intraduzível

nos trens de subúrbio

nas casas alugadas

nos quartos pobres

e nas fugas

 

cais da minha vida errada

certeza de corsário

porto esperado

coral caído

do oceano

nas mãos vazias

das plantas fumegantes

 

mulher vinda da china

para mim

vestida de suplícios

nos duros dorsos da amargura

para mim

Maria Antonieta d´Alkmin

 

teus gestos saiam dos borralhos incompreendidos

que tua boca ansiosa

de criança repetia

sem saber

teus passos subiam

das barrocas desesperadas

do desamor

trazia nas mãos

alguns livros de estudante

e os olhos finais da minha mãe

 

alerta

 

lá vem o lança-chamas

pega a garrafa de gasolina

atira

eles querem matar todo amor

corromper o pólo

estancar a sede que eu tenho de outro ser

vem de flanco, de lado

por cima, por trás

atira

atira

resiste

defende

de pé

de pé

de pé

o futuro será de toda humanidade

 

fabulário familiar

 

se eu perdesse a vida

no mar

não podia hoje

te ofertar

os nevoeiros, as forjas, os Baependis

 

acalanto

 

acuado pelos moços de forcado

flibusteiro

te descobri

muitas vezes pensei que a felicidade sentasse à minha mesa

que me fosse dada no locutório dos confessionários

na hipnose das bestas feras

no salto-mortal das rodas gigantes

ela vinha intacta, silenciosa

nas bandas de música

que te anunciaram para mim

Maria Antonieta d´Alkmin

 

quando a luta sangrava

nas feridas que sangrei

com alfinete na cabeça te deixei

adormecida

no bosque

te embalei

agora te acordei

 

relógio

 

as coisas são

as coisas vêm

as coisas vão

as coisas

vão e vem

não em vão

as horas

vão e vem

não em vão

 

compromisso

 

comprarei

o pincel

do Douanier

para te pintar

levo

pro nosso lar

o piano periquito

e o reader ´s digest

para não tremer

quando  morrer

e te deixar

eu quero nunca te deixar

quero ficar

preso ao teu amanhecer

 

dote

 

te ensinarei

o segredo onomatopaico do mundo

te apresentarei

Thomas Morus

Federico Garcia Lorca

a sombra dos enforcados

o sangue dos fuzilados

na calçada das cidades inacessíveis

te mostrarei meus cartões-postais

o velho e a criança dos jardins públicos

o tutu de dançarina sobre um táxi

escapados ambos da batalha do Marne

o jacaré andarilho

a amadora de suicídios

a noiva mascarada

a tonta do teatro antigo

a metade da Sulamita

a que o palhaço carregou no carnaval

enfim, as dezessete luas mecânicas

que precederam teu arrebol

 

marcha

 

todos virão para o teu cortejo nupcial

a princesa Patoreba

coroada de foguetes

a senhora Dona Sancha

que todos querem ver

o tangolomango

e seus mortos mastigados

nas laboriosas noites processionais

 

todos comparecerão

o camarada barbudo

o bobo-alegre

o salvado de diversos pavorosos incêndios

o frade mau

o corretor de cemitérios

e onde esciver

o Pinta-Brava

meu irmão

Tatá, Dudu, Popó,  Sici, Lelé

 

não quero sombra de cera

nem noite branca de reza

quero o velório pretoriano

de  Sócrates

não o bestiário

de Casanova

não quero tochas

não quero vê-las

Tatá, Dudu,  Popó, Sici, Lelé

 

o tio da América

a igreja da Aparecida

o duomo de Milão

o trem, a canoa, o avião

Tudo darei às mesas anatômicas

do mastigador de entranhas

himeneu

 

para teu corpo

construirei o dossel

abrirei a porta submissa

ligarei o rádio

amassarei o pão

 

black-out

 

girafas tripulantes

em pára-quedas

a mão do jaburu

roda de mulher que chora

o leão dá trezentos mil rugidos

por minuto

o tigre não não é mais fera

nem borboletas

nem açucenas

a carne apenas

das anêmonas

 

na espingarda

do peixe espada

trasncontinental ictiossauro

lambe o mar

voa, revoa

a moça encastra

enforca, empala

à espera eterna

do Natal

 

desventra o ventre donde nasceu

a neutra equipe

dos sem luar

no fundo, fundo

do fundo do mar

da podridão

as sereias

anunciarão as searas

 

mea culpa, lear

 

na hora do fantasma

entre corujas

Jocasta soluçou

o palácio de fósforo

múltiplas janelas

desmaiou

 

- por quê calaste os sinos?

meu filho filho meu

- dei, dei, dei

- onde puseste os reinos e as vitórias?

que estranha serenidade prometias?

- era ururpação,  paguei

- passaste fome?

- muitas vezes comi as marés de meu cérebro

 

encerramento e gran-finale

 

nada te sucederá

porque inerme deste o teu afeto

no soco do coração

te levarei

nas quatro sacadas fechadas

do coração

 

deixei de ser o desmemoriado das idades de ouro

o mago anterior a toda cronologia

o refém  de Deus

o poeta vestido de folhagem

de cocos e de crânios

Alba

Alfaia

Rosa dos Alkmin

dia e noite do meu peito que farfalha

 

a teu lado

terei o mapa-múndi

 

em minhas mãos infantes

quero colher

o fruto crédulo das semeaduras

darei o mundo

a um velho de juba

a seu procurador mongol

e a um amigo meu

com quem pretenderam

encerrar o sol

 

viveremos

o corsário e o porto

eu para você

você para mim

Maria Antonieta D´Alkmin

 

para lá da vida imediata

das tripulações de trincheira

que hoje comigo

com meus amigos redivivos

escutam os assombrados

brados de vitória

de Stalingrado

 

Oswald de Andrade 



Teatro do Absurdo

Um possível encontro de Clarice Lispector e Federico Baudelaire

Federico - come vento menina come vento. não há mais metafísica no mundo do que comer vento

Clarice - prefiro chocolate

Federico - mas isso aí é um livro

Clarice - não faz mal, é como se fosse

Federico - como se fosse é muito vago

Clarice - pode ser vago pra você mas para mim não é

Federico - você é muito estranha

Clarice - estranha por quê?

Federico - parece até que come livros!

Clarice - e o quê você tem com isso? te incomoda?

Federico - calma, não precisar s irritar!

Clarice - mas quem disse que estou irritada?

Federico - do jeito que você fala!

Clarice - e você queria que eu falasse como?

Federico - normal

Clarice - mas eu falo normal como eu falo esse é o meu normal de falar.  Se não está gostando dá licença, e para de fazer perguntas.

Federico - grossa!

Clarice - não gosto de muitas perguntas. sou assim mesmo

Federico - mas não precisa xingar!

Clarice - e quem foi que xingou?

Federico - se não xingou foi quase

Clarice - me deixa em paz. que eu quero terminar de comer meu livro

Federico - é doida, comer seu livro?

Clarice - modo de dizer. já te disse sou assim mesmo

Federico - assim mesmo como?

Clarice - gosto de comer livros, romances, ficção, principalmente  poesia

Federico - quero dizer que ainda arde tua manhã em minha tarde

Clarice - nem vem que não tem

Federico - nem tem o quê?

Clarice - essa cantada barata

Federico - tua noite no meu dia

Clarice - vai insistir?

Federico  - tudo em nós que já foi feito com prazer ainda faria

Clarice - o que nós já fizemos? tá doido?

Federico - quero dizer que ainda é cedo ainda tenho um samba/enredo

Clarice - fique sabendo que prá mim é tarde

Federico - tudo em nós é carnaval é só vestir a fantasia

Clarice - detesto carnaval

Federico - quero ser teu mestre sala e você porta/bandeira. quando chegar a quarta-feira a gente inventa outra folia

 Clarice - você quer fazer o favor de me deixar de comer meu livro

Federico - vai me dizer que não gostou?

Clarice - detestei. cantada barata igual a essa eu já ouvi de um monte

Federico - duvido!

Clarice - então fica aí com a sua dúvida por quê quanto a isso eu não tenho nenhuma. e me dá licença que eu vou terminar de comer meu livro


com os dentes cravados na memória

re-lembrando 1992 quando na Livraria e Espaço Cultural Alpharrabio em Sanrto André, conheci duas pessoas que para a minha trajetória e vida poética, foram fundamentais: Dalila Teles Veras e Antonio Possidônio Sampaio.

 

quando mergulho no ser veja

o samba pode não ser de Noel Rosa

como diz Adriano Moura

todo verso merece um dedo de prosa

aí desce a primeira, a segunda, a terceira

a quarta, a quinta, a sexta

e o instante se torna cabalístico

e vem o verso estilístico

e a coisa se aproxima de João Guimarães Rosa

e diante do meu ser me vejo

frente a frente com um Riobaldo/Diadorim

e é quando então me sinto um Oswaldiano/ SerAfim

 

Artur Gomes

www.arturgumes.blogspot.com



com os dentes cravados na memória

 

poema: confesso

 

não não sou

não é por ter nascido dentro do mato

de uma roça de  que tenho que ser.

 

definitivamente: não sou de Campos

sou da Cacomanga

Cacomanga é uma Makondo

com seus 100 Anos de Solidão

e Campos é uma capitania

com seus 500 anos de Servidão.

 

Artur Gomes

FULINAIMAGEM

www.fulinaimagens.blogspot.com



a Ferreira Gullar

em memória

 

o mês de abril

não me traz boa recordação

dentro da noite veloz

só angústia e nostalgia

atravesso a escuridão

perseguido por esporas

cravadas na minha mão

na vertigem do dia

 

Federico Baudelaire

https://www.facebook.com/federicoduboi/?fref=ts

 


 a Oswald de Andrade

em memória

 

tudo aqui era floresta

rios mares manguezais

caranguejos guaiamuns  

onça pintada milho verde  mandioca

 

aí chegaram os portugueses

rezaram missas

trucidaram índios

escravizaram africanos

 

deu-se a mixegenação

uma pátria descoberta

 mas até hoje procuramos

o Pau Brasil dessa Nação. 

 

Gigi Mocidade

https://www.facebook.com/gigimocidade/



Muitos ainda me perguntam qual o significado da palavra FULINAÍMA, palavra que criei e se tornou minha marca e derivados dela criei ainda os neologismos: Fulinaímicas, Fulinaímânicas, Fulinaimagem.

 Bem, de 1993 a 1997 vivi em São Paulo, por conta de dois projetos que idealizei e o SESC-SP realizou:  em 1993 Mostra Visual de Poesia Brasileira - Mário de Andrade 100 Anos e em 1995 Retalhos Imortais do SerAfim - Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim.

 Era natural que eu mergulhasse em pesquisas sobre vida e obra desses dois ícones da literatura paulistana.  De Mário, além da poesia, fiz uma leitura atenta de Macunaíma - O Herói Sem Caráter, personagem que ele criou em um instante de febre, um delírio, um transe poético.

Em Macunaíma, entendi a minha formação étnica, bem como a da maioria do brasileiro. Em Oswald, além da poesia, minha atenta leitura foi com Serafim Ponte Grande, e nele entendi a minha irreverência, a inquietação criativa, a flecha poética disparada para todos os cantos .

Por conseqüência desses dois projetos, a partir de 1995 passei a dirigir algumas Oficinas de Criação Literária  e Performances Poéticas por várias unidades do SESC-SP em cidades várias do Estado de São Paulo, o que acontece até os dias de hoje.

 Em 1996 me dirigia pela rodovia Bandeirantes com destino ao SESC - Campinas para uma dessas Oficinas de Criação em companhia do meu parceiro Naiman,  quando a palavra FULINAÍMA me veio a mente pela primeira vez. De volta a São Paulo, na Rua Timbiras, onde residia na época escrevi o poema Goytacá Boy, imediatamente musicado pelo Naiman, e cantado por ele no CD Fulinaíma Sax Blues Poesia, em 2002.

 Daí em diante Fulinaíma foi se tornando um quase um sobrenome a mais, e ninguém que conhece a minha criação de perto não se assusta quando eu assino Artur Gomes Fulinaíma. Alguns até implicam achando que é uma provocação. Mas o verdadeiro significado está no AR , cabe a cada um de voz tentar decifrar.


Goytacá Boy

 ando por são Paulo meio Araraquara

a pele índia do meu corpo
concha de sangue em tua veia
sangrada ao sol na carne clara

juntei meu goytacá teu guarani
tupy or not tupy
não foi a língua que ouvi
em tua boca cayçara

para falar para lamber
para lembrar
da sua língua arco íris litoral
como colar de uiara
é que eu choco como a chuva curuminha
mineral da mais profunda lágrima
que mãe chorara

para roçar para provar para tocar
na sua pele urucun de carne e osso
a minha língua tara
sonha cumer do teu almoço
e ainda como um doido curuminha
a lamber o chão que restou da Guanabara

 

  

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