segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Artur Gomes - eleito para Academia Campista de Letras

Poeta Artur Gomes é eleito para cadeira 12 da Academia Campista de Letras

O último ocupante dessa cadeira foi o professor e ex-presidente da ACL Hélio de Freitas Coelho

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 Os membros da Academia Campista de Letras (ACL) elegeram Artur Gomes, poeta, ator e produtor cultural, para ocupar a cadeira n. 12 da instituição, na noite de quinta-feira (3).

O último ocupante dessa cadeira foi o professor e ex-presidente da ACL Hélio de Freitas Coelho, tendo como patrono Heitor de Araújo Silva.

Candidataram-se como postulantes à vaga os escritores Diego Nunes Abreu, Ivan Vilela Júnior, Pedro Henrique Rodrigues Ribeiro, Thais de Souza Silva, Wedson Felipe Cabral Pacheco e Wesley Barbosa Machado.

As candidaturas, previamente analisadas pela comissão eleitoral (formada pelo presidente Ronaldo Junior, pelo segundo vice-presidente Carlos Augusto Alencar e pela Secretária Titular Sylvia Paes), foram deferidas e assim votadas: Artur Gomes obteve 15 votos, enquanto Pedro Henrique Ribeiro obteve 1 voto. Os demais não receberam votos.

A cerimônia de posse está marcada para ocorrer no sábado, dia 19 de outubro, às 16h, na sede da ACL, localizada no Jardim São Benedito.

 

leia mais no blog   

Artur Gomes – Fulinaimagens

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Juras Secretas -  Artur Gomes

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SINOPSE:  A poesia de Artur flui feito pluma ao vento, “a lavra da palavra quero seja pele pluma onde Mayara bruma já me diz espero, saliva na palavra espuma onde tua lavra é uma elétrica pulsação de Eros”. No entanto, a despeito da leva da linguagem que segue o ritmo interno da inspiração do poeta, camufla em partes, em outras escancara, o caráter ardente da poesia que chama por Eros.  Repleta de paixão e de fogo, as imagens de amantes, as analogias do sexo desprendem deste clamor contido no peito de Artur, mas que, pelo fazer das letras desenvolve-se na liberação dos desejos mais sensuais, “essa ostra no mar das tuas pernas”, ou mesmo quando o poeta compara a procura pela  palavra com o escavar libidinoso que os amantes fazem um pelo corpo do outro, “tudo o que quero conhecer a pele do teu nome / a segunda pele o sobrenome / no que posso no que quero”. Embora, por ser poesia, as palavras sejam como “flor”, esta metáfora, esta alegoria bela e perfumada exala da queimada ardente da linguagem, feito mulher prenhe de libido, “a pele em flor a flor da pele / a palavra dândi em corpo nua / a língua em fogo a língua crua / a língua nova a língua lua”. Esta poesia tão luxuriosa incendeia o solo urbano, tanto quanto a natureza, falando da monotonia urbana de São Paulo, que alucina a sobriedade do poeta com sua beleza cruel, cidade no qual o “matadouro” é a arte concreta. Mas feito pluma ao vento a poesia de Artur enxerga o fogo da paixão, da convicção voando também para longe da violência e tribulação urbana, pairando sobre a mágica enamorada das praias, do vento, das sombras, da natureza, local onde residem os aspectos matrimoniais da união homem-mulher, “qualquer que seja a hora em que se beijam num pontal em comunhão total com a natureza”. As juras do poeta ardente profanam o sagrado, quando em sua retórica e discurso extrapolam a rigidez das formas, mas, em ousadia apelam para as rezas e para o caráter inviolável das promessas com uma “violência antropofágica erótica”.

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Juras Secretas 

feitiçarias de Artur Gomes - por Michèle Sato 

Difícil iniciar um prefácio para abordar feitiçarias de um grande mestre. A mágica aparição do texto transborda sentidos cósmicos, como se um feixe de luz penetrasse em um túnel escuro dando-lhe o sorver da vida. Diariamente, recebo um deserto imenso de poemas e a leitura se esvai com “batatinha quando nasce põe a mão no coração”. Um ou outro me chama a atenção, desde que sou do chamado “mundo das ciências” e leio poemas com coração, mas inevitavelmente aguçado pelo olhar crítico vindo do cérebro. 

A academia pode ser engessada, mas é, sobremaneira, exigente. Aplaude o inédito, reconhecendo que o poema é um caos antes de ser exteriorizado, mas harmônico, quando enfeitiçado. A leitura requer algo como canto do vento, que não seja fugaz, mas que acaricie no assopro da Terra. Por isso, é com satisfação que inicio este pequeno texto, sem nenhuma pretensão de esgotar o talento do grande mestre, mas responder aos poemas de Artur que brilham, soltam faíscas, incendeiam-se em erotismo e garras enigmáticas. Ele transcende regras, inventa palavras, enlouquece verbos. E as relações estabelecidas revelam a desordem dos sonhos na concretude harmônica de suas palavras. 

A aventura erótica não se despede de seu olhar político. Situado fenomenologicamente no mundo, e transverso nele, Artur profana o sagrado com suas invenções transgressoras. Reinventa a magia e decreta uma nova vida para que o mundo não seja habitado somente pelos imbecis. Dança no universo, com a palavra fluída, imprevistos pitorescos, mordidas e grunhidos. Reaparece no meio de um cacto espinhoso, mas é absurdamente capaz de ofertar a beleza da flor. Contemporâneo e primitivo se aliam, vencem os abismos como se ao comerem as palavras monótonas, pudessem renascer por meio da antropofagia infinita de barulhos e silêncios. O sangue coagulado jorra, as cavernas se dissolvem e é provável que poucos compreendam a beleza que daí se origina. 

Nos labirintos de suas palavras, resplandece o guerreiro devorador, embriagado, quase descendo ao seu próprio inferno. Emana seu fogo, na ardência de sexo e simultaneamente na carícia do amor. Pedras frias se aquecem, coram com o tom devasso que colore a mais bela das pornofonias. Marquês de Sade sente inveja por não ser o único déspota das palavras sensuais. E os poemas de Artur reflorescem, exalam odor como desejos secretos e risos que ecoam no infinito. 

não fosse essa alga queimando em tua coxa ou se fosse e já soubesse mar o nome do teu macho o amor em ti consumiria (jura secreta 5) 

De repente um cavalo selvagem cavalga na relva úmida, como se o orvalho da manhã pudesse revelar o fogo roubado das pinturas rupestres. Ao som de tambores, suas palavras se tornam arte em si, como se fossem desenhos projetados em um fantástico mundo vertiginoso. Seres encantados surgem das águas originários de sentimento, abraçadas nas pedras lisas, rugosas, esverdeadas da terra. O fogo dança em vulcões e a metamorfose é percebida em seus ares. Os elementos se definem como bestas, humanos, ou segmentos da natureza como uma orquestra sinfônica que vai além da sonoridade. Adentram sentidos polissêmicos e, neste momento, até o André Breton percebe o significado das palavras de Artur, pois a beleza é convulsiva e crava no peito feito cicatriz. 

e o que não soubesse do que foi escrito está cravado em nós como cicatriz no corte (jura secreta 10) 

Da violação do limite, do fruto proibido ou da linguagem erótica, os poemas de Artur são orgasmos literários que oscilam entre o sacro e o profano. Sua cultura, visão de mundo e inteligência possibilitam ir além da pura emoção sentimental, evocando a liberdade para que a terra asfixiada grite pela esperança. Artur comunga com outros seres a solidariedade da Terra, ainda que por vezes, seja devastador em denunciar disparidades, mas é habilidoso em anunciar acalentos. A palavra poética desfruta fronteiras, e Roland Barthes diria que a história de Artur é o seu tributo apaixonado que ele presta ao mundo para com ele se conciliar. Em sua linguagem explosiva, provavelmente está a intensidade de sua paixão - um amor perverso o suficiente para viciar em suas palavras, mas delicado o bastante para dar gênese ao mundo enfeitiçado pela habilidade de sua linguagem. 

A essência deste perfume parece estar refletida num espelho, pois se as linguagens podem incluir também o silêncio, as palavras de Artur soam como uma melodia. Projetada numa tela, a pintura erótica torna-se sublime e para além de escrevê-las, ele vive suas linguagens. Esta talvez seja a diferença de Artur com tantos outros poetas: a sua capacidade de transcender a tradição medíocre para viver um intenso de mistério de sua poética. Ele não duvida de suas palavras, nem as censura para não quebrar seu encanto, mas devora em seu ser na imaginação e no poder de sua criação. Criador e criatura se misturam, zombam da vida, gargalham da obviedade. Põem-se em movimento na dança estrelas que iluminam a palavra. 

Os fragmentos poéticos são misteriosos de propósito, uma cortina mal fechada assinala que o palco pode ser visto, porém não em sua totalidade. Disso resulta a sedução para que ele continue escrevendo, numa manifestação enigmática do poder surrealista em nos alertar sobre nossas incompletudes fenomenológicas. O imperfeito é o sentido da fascinação, diria Barthes em seus fragmentos de um discurso amoroso. E a poética de Artur não representa ressurreição, nem logro, senão nossos desejos. O prazer do texto pode revelar o prazer do autor, mas não necessariamente do leitor. Mas Artur lança-se nesta dialética do desejo, permitindo um jogo sensual que o espaço seja dado e que a oportunidade do prazer seja saciada como se fosse um "kama sutra poético" para além do prazer corporal. Esta duplicidade semiológica pode ser compreendida como subversiva da gramática engessada - o que, em realidade, torna seus textos mais brilhantes. Não pela destruição da erudição, mas pela abertura da fenda, para que a fruição da linguagem seja bandeira cultural da liberdade. 

E a sua liberdade projeta-se num horizonte onde a dimensão sócio-ambiental é freqüentemente presente. É uma poesia universal de representações urbanas e rurais, de flora, fauna e fontes de praças públicas. Desacralizando o “normal previsível”, borda em sua costura de mosaicos, esquinas e passaredos. 

eu sei de gente e de bichos ambos atolados no lixo tem gente que come bicho tem bicho que come gente tem gente que vive no lixo tem lixo que mora no bicho gente que sabe que é bicho e bicho que pensa ser gente (jura secreta 28) 

A poética das Juras Secretas opõem-se a instância pretérita numa espiral de presente com futuro. Metafisicamente, desliga-se do momento agonizante e os olhos do poeta não se cansam, ainda que a paisagem queira cansá-los. Seu toque lembra o neoconcretismo, por vezes, cuja aparição na semana da arte moderna mexeu com os mais tradicionais versos da literatura ordinária. Mas sua temporalidade vence Chronos, na denúncia de um calendário tirano ao anúncio de Kairós, também senhor do tempo, mas que media pelos ritmos do coração. 

20 horas 20 noites 20 anos 20 dias até quando esperaria... até quando alguém percebesse que mesmo matando o amor o amor não morreria
. (jura secreta 51) 


É óbvio que a materialidade da linguagem, sua prosódia e seu léxico se mantêm no texto. Mas foge das estruturas engessadas do arrombo repetitivo, florescendo em neologismos verossímeis e ritmos cardíacos. Amiúde, são palavras jorradas em potente cultura significante. No chão dialogante, este poeta desestabiliza a normalidade com suas criações. 

por que te amo e amor não tem pele nome ou sobrenome não adianta chamar que ele não vem quando se quer porque tem seus próprios códigos e segredos mas não tenha medo pode sangrar pode doer e ferir fundo mas é razão de estar no mundo nem que seja por segundo por um beijo mesmo breve por que te amo no sol no sal no mar na neve. (jura secreta 34) 

ARTUR GOMES é, para mim, um grande relato de seu próprio devir, que sabe poetizar a partir de seu vivido. E por isso, enfeitiça. 

 

Michèle Sato – Bióloga, pesquisadora na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.


*

Jura Secreta 

não fosse essa jura secreta 
mesmo se fosse e eu não falasse 
com esse punhal de prata 
o sal sob o teu vestido 
o sangue no fluxo sagrado 
sem nenhum segredo 

esse relógio apontado pra lua 
não fosse essa jura secreta 
mesmo se fosse eu não dissesse 
essa ostra no mar das tuas pernas 
como um conto do Marquês de Sade 
no silêncio logo depois do susto 


Jura secreta 1 


a língua escava entre os dentes 
a palavra nova 
fulinaimânica/sagarínica 
algumas vezes muito prosa 
outras vezes muito cínica 

tudo o que quero conhecer: 
a pele do teu nome 
a segunda pele o sobrenome 
no que posso no que quero 

a pele em flor a flor da pele 
a palavra dandi em corpo nua 
a língua em fogo a língua crua 
a língua nova a língua lua 

fulinaímica/sagaranagem 
palavra texto palavra imagem 
quando no céu da tua boca 
a língua viva se transmuta na viagem 


Jura secreta 2 

não fosse esse punhal de prata 
mesmo se fosse e eu não quisesse 
o sangue sob o teu vestido 
o sal no fluxo sagrado 
sem qualquer segredo 

esse rio das ostras 
entre tuas pernas 
o beijo no instante trágico 
a língua sem que ninguém soubesse 
no silêncio como susto mágico 
e esse relógio sádico 
como um Marquês de Sade 
quando é primavera 



fosse essa jura sagrada 
como uma boda de sangue 
às 5 horas da tarde 
a cara triste da morte 
faca de dois gumes 
naquela nova granada 
e Federico Garcia Lorca 
naquela noite de Espanha 
não escrevesse mais nada 

 

Jura secreta 4 

a menina dos meus olhos 
com os nervos à flor da pele 
brinca de bem-me-quer 
ela inda pensa que é menina 
mas já é quase uma mulher
 

 

 

 

Jura secreta 5 

não fosse essa alga 
queimando em tua coxa 
ou se fosse e já soubesse 
mar o nome do teu macho 
o amor em ti consumiria 

Olga Savary 
no sumidouro dos meus dias 

o couro cru 
na antropofágica erótica 
carne viva 
tua paixão em mim 
voraz língua nativa 

 


o que passou não ficará já foi 
a menina dos meus olhos 
roubou a tua menina 
e levou para festa do boi 

fosse um Salgado Maranhão 
nosso batismo de fogo 
25 de março 
e o morro querosene  em chamas 
no canto pro tempo nascer 

e o amor que a gente faria 
o sol acabou de fazer 

 

 

Jura secreta 7 

fosse Sampa uma cidade 
ou se não fosse não importa 

essa cidade me transporta 
me transborda me alucina 

me invade inter/fere na retina 
com sua cruel beleza 

como Oswald de Andrade 
e sua realidade 

como Mário de Andrade 
e sua delicadeza 


Jura Secreta 8

artefato (poema sujo)

 

numa cidade abstrata

sem sentido ou significado

matadouro é arte concreta

veracidade é pecado

pago com pena de morte

 

esta máquina de escrever

fotografada em Itaguara

como um poema de Lorca

escrito em Nova Granada

cravado em Araraquara

 

você não sabe onde está

você não sabe onde  é

você não sabe de quem foi

este punhal na metáfora

que sangra a carne do boi

 

 Jura secreta 9 


não fosse o teu amor 
o meu conforto 
e eu teu anjo torto 
meu amor como seria 

se a jura secreta 
não fosse mais que um poema 
e se eu não te amasse 
como Glauber no cinema 

o que tenho aqui 
no corpo em transe

:

a quem daria? 

 

 Jura secreta 10 


fosse o que eu quisesse 
apenas um beijo roubado em tua boca 
dentro do poema nada cabe 
nem o que sei nem o que não se sabe 

e o que não soubesse 
do que foi escrito 
está cravado em nós 
como cicatriz no corte 
entre uma palavra e outra 
do que não dissesse 

 

 

Jura secreta 11

 engenho 484 

para jiddu saldanha 

arrancar do gesto 
a palavra chave 
da palavra a imagem xis 
tudo por um risco 
tudo por um triz 

o trem bala (cospe esqueletos 
no depósito da Central) 
fuzil pode ser nosso brinquedo: 
novo enredo para o próximo carnaval 

 

 

Jura  secreta 12

Sargaço em tua boca espuma

 

em Armação de Búzios

 tenho um amor sagrado

guardado como jura secreta

que ainda não fiz para Laís

 

em teus cabelos girassóis de estrelas

que de tanto vê-las o meu olho  vela

e o que tanto diz  onda do mar  não leva

da areia da praia onde grafei teu nome

para matar a sede e muito mais a fome

 

entranhada  na carne como flor de Lótus

grudada na pele como tatuagem

flutuando ao vento como leve pluma

no salgado corpo do além mar afora

 

sargaço em tua boca espuma

onde moram  peixes  - na cumplicidade

do que escrevo agora




Jura secreta 13 

o tecido do amor já esgarçamos 
em quantos outubros nos gozamos 
agora que palavro Itaocaras 
e persigo outras ilhas 
na carne crua do teu corpo 
amanheço alfabeto grafitemas 

quantas marés endoidecemos 
e aramaico permaneço doido e lírico 
em tudo mais que me negasse 
flor de lótus flor de cactos flor de lírios 
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse 
Hilda Hilst quando então se me amasse 

ardendo em nós salgado mar e Olga risse 
pulsando em nós flechas de fogo se existisse 
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse 

 

                                           Jura secreta 14 

 

eu te desejo flores lírios brancos 
margaridas girassóis rosas vermelhas 
e tudo quanto pétala 
asas estrelas borboletas 
alecrim bem-me-quer e alfazema 

eu te desejo emblema 
deste poema desvairado 
com teu cheiro teu perfume 
teu sabor teu suor tua doçura 

e na mais santa loucura 
declarar-te amor até os ossos 

eu te desejo e posso : 
palavrArte até a morte 
enquanto a vida nos procura 

Jura secreta 15

leminskiAna 

o estado pode ser de choque 
ou quem sabe até de surto 
o soco pode ser no estômago 

a facada pra  ferir o fígado 
o bandido me assaltar na via 
o sangue explodir na veia 
a vodka só me dar azia 

todo instante que vier eu curto 
a palavra que pintar eu furto 
tudo o que eu faço é poesia. 

 

 Jura secreta 16

 para may pasquetti 

fosse esta menina Monalisa 
ou se não fosse apenas brisa 
diante da menina dos meus olhos 
com esse mar azul nos olhos teus 

não sei se MichelÂngelo 
Da Vinci Dalí ou Portinari

 te anteviram 
no instante maior da criação 

pintura de um arquiteto grego 
quem sabe até filha de Zeus 

e eu Narciso amante dos espelhos 
procuro um espelho em minha face 
para ver se os teus olhos 
já estão dentro dos meus 


Jura secreta 17 

meu objeto concreto 
é um poema abstrato 

impressionista realista 
quem sabe neo concretista 
poderoso artefato 

uma bomba de Hiroshima 
uma rosa parafina 
ou quem sabe uma menina 
que conheci só no retrato 

 

 

Jura secreta 18

 

te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo

os peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
as rendas finas  que vestias
sobre os teus pêlos ficção

 

todos os laços dos tecidos
aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
o batom da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes

 

e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa



Jura secreta 56

 ainda que fosse viagem

de metrô ou fantasia
e o assunto que eu mais queria
fosse o que não dissesse

e o mar apenas trouxesse
gaivotas sobre os cabelos
vento sol maresia
e o líquido que não bebemos
fosse conhac ou cerveja

mesmo assim a vida seja
entre o que os pelos lateja
o que a tua boca não fala
o que a tua língua não prova
e a prova das dezessete
te levasse mais cedo

inda assim não tenha medo
a palavra entre meus dedos
é o que ainda não disse
miragem essa coisa nova
agora revisitada
naquela hora marcada
de tudo o que não fizemos


 Jura secreta 57

meta metáfora no poema meta

como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico prumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste

como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em prumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece


Jura secreta 58

a carne que me cobre é fraca

a língua que me fala é faca

o olho que me olha vaca

alfa me querendo beta

 

juro que não sou poeta

a ninfa que me ímã

quando arquiteta

 

o salto da abelha

quando mel em flor

e pulsa pulsa pulsa pulsa

na matéria negra cor

quando a pele que veste é nada

éter pluma seda em pelo

 

quando custa estar em Arcozelo

desatar a lã dos fios do novelo

em pleno  sol de Amsterdã

 

desvendar Hollanda

nos mistérios da palavra

por entre o nó  dos cotovelos?

 

 jura secreta 59


a coisa que me habita é pólvora
dinamite em ponto de explosão
o país em que habito é nunca
me verás rendido a normas
ou leis que me impeçam a fala
a rua onde trafego é amplo
atalho pra o submundo

do escavado  fosso

o poço

onde mergulho é fundo
vai da pele que me cobre a carne
ao nervo mais íntimo do osso


                           Jura secreta 60

 

 qualquer palavra eu invento

na carnadura dos ossos

na escriDura do éter

na concretude do vento

na engrenagem da sílaba

vocabulário onde posso

dar nome próprio ao veneno

que tem o Agro Negócio

 

 

Jura Secreta 61

                           pele grafia

 meus lábios em teus ouvidos

flechas netuno cupido

a faca na língua a língua na faca

a febre em patas de vaca

as unhas sujas de Lorca

cebola pré sal com pimenta

tempero sabre de fogo

na tua língua com coentro

qualquer paixão re/invento

 

o corpo/mar quando agita

na preamar arrebenta

espuma esperma semeia

sementes letra por letra

na bruma branca da areia

sem pensar qualquer sentido

grafito em teu corpo despido

poemas na lua cheia

 

 

Juras secreta 62

tenho estado

entre o fio e a navalha

perigosamente – no limite

pulando a cerca da fronteira

entre o teu estado de sítio

e o meu estado de surto

 

só curto a palavra viva

odeio uma língua morta

 

poema que presta é linguagem

pratico a SagaraNAgem

na esquina  da rua torta

 

 Jura secreta 63

 não sei se escrevo tanto

não sei se escrevo tenso

um fio elétrico suspenso

com tanta coisa no Ar

não sei se olho em teu olho

pra encontrar a entrada

da porta da tua casa

onde a palavra estiver

não sei se pinto um Van Gog

ou se escrevo um Baudelaire

 

 

Jura secreta 64

para Celso Borges e Lília Diniz

 

 

faz escuro mas eu canto

Thiago de Mello

 

eu sou quem morre e não deita

Salgado Maranhão

 

pros meus afins está difícil

por isso esse novo canto

se o dia não amanhecer

 

Querubins e SerAfins

o que será de Parintins

Bumba-Meu-Boi

o que será ?

 

Maranhão meu São Luiz

o que será de Imperatriz

do povo/boi o que será

do povo/boi o que vai ser?


 

Jura secreta 65

esse teu olho que me olha
                          azul safira
                          ou mesmo verde

                          esmeralda fosse

pedra - pétala rara

carne da matéria doce

 

ou mesmo apenas fosse

esse teu olho que me molha

quando me entregas do mar

toda alga que me trouxe

 

                               Jura secreta 66

 era para ser assim como se foice

no papel de seda era língua e sangue

unhas muitos dedos dentes

nos teus céus de boca

 

era para ser assim como se fosse

meus olhos no cinema

nos teus olhos presos

e o destino do poema teus lábios indefesos

 

Jura secreta 67

aqui
os ponteiros
mordem os músculos 
do relógio
com seus profanos dentes
onde não tem amanhã
                    nem ontem
                    só presente

 

Jura secreta 68

disseram-me certa vez 

que essa escrita que voz falo

é um prato indigesto

osso duro de roer

carne ruim de comer

juro mesmo não presto

:

Federico Baudelaire

koringa boi/pintadinho

muito além do couro cru

muito além da carNAvalha

muito além da mesa posta

tenho mais de 25 mil cartas sem perguntas

e

mais de 25 mil perguntas sem respostas

minha língua é do barbalho

nas cartas do meu baralho

eu sei que você não aposta

 

Jura secreta 69

VeraCidade 2

 

há muito tempo

 não morro mais aqui

minha cidade é desbotada 

há muito perdeu o brilho

na minha voracidade o sol é claro

e a arte que preparo 

é o tiro que disparo

é a arma que engatilho


Jura Secreta 70

lady gumes african´s baby

 

 meto meus dedos cínicos

no teu corpo em fossa

proclamando o eu ainda possa

 

vir a ser surpresa

porque meu amor não tem essa

de cumer na mesa

é caçador e caça mastigando na floresta

todo tesão que resta desta pátria indefesa

 

ponho meus dedos cínicos

sobre tuas costas

vou lambendo  bostas

destas botas neo burguesas

porque meu amor não tem essa

de vir a ser surpresa

 

 

é língua suja e grossa

visceral ilesa

pra lamber tudo que possa

vomitar na mesa

e me livrar da míngua

desta língua portuguesa

 

Jura secreta 71

 

o movimento dos barcos

dia desses ainda me leva

mar a dentro 

o sal no centro de gravidade

que se move ainda em mim

quando enlouqueço

o endereço do sentido

ainda não tenho

e ando prenho de saudade

do Pontal que um dia foi

 

Jura secreta 72

Clarice dorme em minhas mãos

a carne trêmula depois do beijo

na maçã que hoje comemos

agora sonha  tudo aquilo

que Baudelaire lhe prometeu

 

quando amanhece 

os olhos dela quanto dia

que o dia de ontem não comeu

 

 Jura secreta 73

 dois mil e dois

em Porto Alegre era dezembro
num quarto de hotel
entre lençóis de branco linho
teus pelos girassóis em desalinho

 

a pele rosada como pêssego
a língua eu bebia como vinho

o leite que suguei de teus mamilos
o gosto agora sangue em minha boca
e
o incêndio que apaguei em tuas coxas
agora queima em minha mãos no pergaminho


 

Jura secreta 74

                    Guarapari Antropofágica

 

 come. come meus pés descalços

e os vestígios de Anchieta

por onde estiver ainda

 

come. come todos os passos

e vomita os restos na Ampulheta

porque o tempo tarda mas não finda


Jura secreta 75

é abissal

o cheiro de esperma e susto

não fosse o ópio

nem cem anos de solidão

provocaria tal efeito

o peito estraçalhado

por dentes enigmáticos

Monalisa sangra na Elegia do agora

cada Deusa tem seu Templo

cada mulher tem sua hora

 

Jura secreta 76

black Billy

 

ela tinha um jeito gal – fatal vapor barato

toda vez que me trepava as unhas com um gato

cantar era seu dom

chegava a dominar a voz feito cigarra

cigana ébria vomitando doses do seu canto

 

uma vez só subiu ao palco

estrela no hotel das prateleiras

companheira de ratos na pele de insetos

praticando a luz incerta no auge do apogeu

 

a morte

não é muito mais que um plug elétrico

um grito de guitarra – uma centelha

logo assim que ela começa

algo se espelha

na carne inicial de quem morreu

 

Jura secreta 77

jazz free som balaio

para Moacy Cirne

gravada no CD fulinaíma sax blues poesia


ouvidos negros Miles trumpete nos tímpanos

era uma criança forte como uma bola de gude

era uma criança mole como uma gosma de grude

tanto faz quem tanto não me fez

era uma ant/Versão de blues

nalguma nigth noite uma só vez


ouvidos black rumo premeditando o breque

sampa midinigth ou aVersão de Brooklin

não pense aliterações em doses múltiplas

pense sinfonia em rimas raras

assim quando desperta do massificado

ouvidos vais ficando dançarina cara

ao Ter-te Arte nobre minha musa Odara


ao toque dos tambores ecos sub/urbanos

elétricos negróides urbanóides gente

galáxias relances luzes sumos prato

delícias de iguarias que algum Deus consente

aos gênios dos infernos que ardem gemem Arte

misturas de comboios das tribos mais distantes

de múltiplas metades juntas numa parte

 

Jura secreta 78

a paciência explode

na cara do presidente

arranca-lhe os dentes

e o mandato

a vida é um teatro

no picadeiro do planalto

no circo dos indigentes

 

Jura secreta 79

um ser de luz

música feminina

invade a minha íris retina

no dia 11 de agosto

despencava a tarde

por entre folhas  e fios

de eletricidade

hoje me chega na noite

e me traz um céu

bordado de ternura

e eternidade



Jura secreta 81

 rasguei as velas

que teci em tempestades

rompi as noites

em alto mar de maresias

 

pensei teu corpo

pra amenizar tanta  saudade

e vi teus olhos em cada vela que tecia


Jura secreta 82

 perguntei ao Herbert

como vão as coisas

pelas bandas das Minas

não as Gerais

mas as que moram no Cais

da lapa ou do porto

as que fazem direito ou torto

as que tem as costas

em linhas curvas

e atravessam o arco-íris

das formas que nem sei

as que tem um  belo horizonte

pelas bandas de  São João Del Rey

 

Jura secreta 83

 

mordi a carne da maçã

na língua o gosto era o batom

que ela usa nos mamilos

a carne da fruta é vermelha

branca é a minha Vênus de Milos

 

grafita pela pele pelos poros

como plumas

nas linhas dos lençóis de linho

transpira o amor em desalinho

rasgando toda blusa de lã

da minha musa de Vênus

quando transborda nossa cama de manhã

 

Jura secreta 84

 

diante o mar

o que pensar

a não ser o infinito

o grito das baleias

o silêncio dos peixes

a nossa fome disseminada

em cada um deles

os corais os abissais os ancestrais

os minerais os barcos atracados no cais

e o quanto somos finitos

 

diante o mar

o que pensar

a não ser como ela mexe comigo

aqui agora beliscando meu umbigo

em qualquer lugar que eu esteja

com esse copo de cerveja

 

diante o mar

o que pensar

a não ser os pés na areia

e quem sabe uma seria

me leve a mergulhar




 

Jura secreta 85

 enquanto você espera

Jesus voltar

- *com a boca escancarada

cheia de dentes

esperando a morte chegar

 

os políticos te enrabam

até o caroço

dos pés do cu  ao pescoço

 

sem ninguém pra te salvar!

 

* Raul Seixas - em Ouro de Tolo


Jura secreta 86

 os olhos dessa felina

me arranham como unhas

como faca de dois gumes

que todo poema tem

São Sebastião do Sacramento

profana hóstia no altar

sagrada carne de minas

que comi para pecar

 

Juras secreta 87

 imprimo no poema multifaces

na coisa do significado oculto

do desejo onde o beijo não basta

a paixão arrasta a língua

para o poço mais profundo

cheirando as flores do mal

de um Charles Baudelaire

no mais escondido fosso

desse  corpo que se quer

 

Jura secreta 88   

 em

São Sebastião do Sacramento

suas coxas em movimento

me lembram peixes sagrados

no mar que minas não tem

 

mãos por teus montes claros

provocam marés - atropelos

passeio de língua entre pelos

em outras partes também

lábios de mel abissal

peixe espada noutro mar - Prometeus

desejos despindo teus seios

teus dentes cravados nos meus

 

a lua por sobre a capela

a luz em tua alma - donzela

Afrodite  - uma  caça indefesa

presa - em minhas unhas de Zeus

 

Jura secreta 89

 não sou um anjo certo

estou sempre anjo torto

 

mas se fizer de mim

anjo da guarda

 

te guardarei a sete chaves

no armário do meu corpo


Jura secreta 90

 do portal desta estação

ouço a voz do teu silêncio

o amor com seus olhos castanhos

passou no trem pra Leningrado

e o nosso encontro marcado

ficou para depois da estação Porto Viejo

onde a droga do desejo

é um veneno pra nós dois.


 Jura secreta 91

 

cara velas ao vento

toda barra em movimento

e o morro do juramento

corre em busca da farinha

que Cabral já descobriu

 

e um Rio violento

na pedra do Redentor

chora a morte da vizinha

chora a barbárie e o terror

 

e o marco do monumento

metralhadora e fuzil

pra garantir o movimento

só o prefeito é quem não viu

que esta cidade para olímpica

é uma ponte que caiu

 

 Jura secreta 92

 me encanta mais teus olhos

que o plano piloto de Brasilha

o palácio do planalto o alvorada
me encanta mais as mãos da namorada
que a bandeira do Brazil
o céu de anil a Tropicalha

quero muito mais a CarNAvalha
do que a palavra açucarada
quero a palavra sal do suor da carne bruta
Flor de Lótus  Cio da Fruta
mesmo quando for somente espinhos
me encanta os pés que a lata chuta
por entender que a vida é luta
para abrir novos caminhos

me encanta mais na lama o lírio
a flor do Lascio
os olhos da minha filha
que o ouro dessas quadrilhas
que habitam esses Palácios


 Jura secreta 93

 beber da  tua língua

líquido na maresia

suor no mar dessa  linguagem

e tudo mais beberia

no teu corpo em desalinho

em luas  de tempestades

em lençóis de calmaria

palavras em tua boca

levaram-me ao descaminho

amarraste-me em tua cama

 com  tuas garras de linho

depois que me embriagaste

com tuas garras de vinho

 

Jura secreta 94

 

nem  todo poema curto

nem todo endereço acerto

a meta do poeta é o alvo

o alvo do poeta é a meta

a flecha estendida no arco

o arco estendido na seta

eu quero teus olhos de vidro

não poema em linha reta

 

nem toda cidade prova

nem todo poema povo

a clara da gema nova

pode estar  dentro do ovo

o biscoito fino pra massa

o Dia D sem trapaça

acende a fornalha  na praça

a massa do biscoito fino


Jura secreta 95

 

como se fosse infinita estrada

provocando descaminhos

desafiando caminhadas

 

Clarice diante do espelho

no mar do precipício

transparece o corpo em algazarra

 

a farra do vestido ao vento

mastigando meus instintos

na carne da noite a dentro



Jura Secreta 96

 

só me queira assim caçado

mestiço vadio latino

leão feroz cão danado

perturbando o teu destino

 

só me queira enfeitiçado

veloz macio felino

em pelo nu depravado

em tua cama sol à pino

 

só me queira encapetado

profanando aqueles hinos

malandro moleque safado

depravando os teus meninos

 

só me queria desalmado

cão algoz e assassino

duplamente descarado

quando escrevo e não assino

 

Jura secreta 97

 

mesmo se fosses

andorinha gavião ou  colibri

beija-flor singrando os ares

meu amor meu bem-te-vi

 

Jura Secreta 98

Dandara tão clara

quanto rara

jura secreta

que desabrocha

em flor de lótus

 flor de lascio

 flor de lírios

 flor de cactos

 flor/espinho

 depois do amor

pedra trans/tornada

flor no meio do caminho


Jura Secreta 99

 

dentro do quarto

o poema tenso

não entra nem sai

o estômago ronca

as tripas gritam de fome

e o poema preso

tenta dar um salto

pular pelas janelas

o impulso é fraco

o país é pobre

enquanto o povo dorme

a rosa se esfacela

e os restos de bandeja

são vendidos por migalhas

 

Jura secreta 100

memorial dos ossos

 

espora essa palavra amolada

dessas que cortam a carne

no primeiro toque

espora em meu sentido rock

não um mero truque

no pulsar da língua

que a tua pele lambe

quando saliva aflora

espora em meu cavalo branco

o simbolismo aceso

todo dia é dia de São Jorge

Jorge Luis Borges

num plural latino

escavar a terra em busca da palavra

quando nervo implora

espora temporal dos músculos

memorial dos ossos

nesse tempo bruto

tudo quanto posso


Juras secretas de um trovador contemporâneo

 por Adriano Moura

 “Só uma palavra me devora / Aquela que meu coração não diz”.

 

Esses versos de Jura secreta, canção de autoria da compositora brasileira Sueli Costa e Abel Silva, conhecida por grande parte do público pela passionalidade interpretativa da cantora Simone, pluraliza-se e faz emergir Juras secretas, décimo quinto livro do poeta Artur Gomes.

 Não que haja intertextualidade explícita entre a canção e os poemas do livro, mas denota o intertexto como uma das principais marcas do poeta, recurso presente em seus livros anteriores.

 Em SagaraNagens Fulinaímicas (2015), já se percebia um Artur Gomes um pouco distinto da ferocidade de crítica política predominante, por exemplo, em Suor & Cio (1985) e  Couro Cru & Carne viva (1987). Em Juras secretas, o poeta assume de vez sua faceta lírica, e é essa que pontua as cem “juras” que preenchem o miolo do livro.

 

Jura secreta 45

 

por enquanto

vou te amar assim em segredo

como se o sagrado fosse

o maior dos pecados originais

e minha língua fosse

só furor dos canibais

 

E é com furor canibalesco que se nota, na tessitura poética de muitos versos, o poeta que se dedica também à leitura da literatura e de outras artes. Antropofágico, herdeiro de Oswald Andrade e do Tropicalismo, a língua do poeta devora tudo que o coração não diz para permitir que a poesia o diga.

 Hilda Hilst, Portinari, Glauber Rocha, são signos que denotam o repertório de um leitor-espectador de várias linguagens e que não esconde essas influências. Porém sua poesia não é enciclopédica. As alusões promovem efeitos sonoros e imagéticos que contribuem para o desenvolvimento de uma estilística pessoal e funcional.

 

Jura secreta 13

 

quantas marés endoidecemos

e aramaico permaneço doido e lírico

em tudo mais que me negasse

flor de lótus flor de cactos flor de lírios

ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse

Hilda Hilst quando então se me amasse

ardendo em nós salgado mar e Olga risse

olhando em nós flechas de fogo se existisse

por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse

 

Artur Gomes é um dos poucos poetas que mantém viva a tradição da oralidade. Participa de vários encontros Brasil afora recitando seus versos como um trovador contemporâneo. Nota-se, na estrutura musical de sua poesia e nas imagens que cria, uma obra que se materializa por completo quando dita em voz alta. Mas mesmo no silêncio do quarto, da sala, da praia ou no barulho do carro, trem ou metrô; a poesia de Juras secretas oferece viagens estéticas aos que sabem que a poesia não está morta como andam pregando por aí.

 

Jura secreta 43

 

com os seus dentes de concreto

São Paulo é quem me devora

e selvagem devolvo a dentada

na carne da rua Aurora

 

Adriano Carlos Moura

Mestre em Cognição e Linguagem (Uenf).

Professor de Literatura do IFF –

Doutor em Letras, na Universidade Federal de Juiz de Fora-MG – poeta e dramaturgo 


Juras secretas 
em alta voltagem

Por Krishnamurti Góes dos Anjos

 

Poeta maldito é termo utilizado para referir poetas que constroem uma obra “rebelde” mesmo em face do que é aceito pela sociedade, considerada como meio alienante e que aprisiona os indivíduos nas suas normas e regras. Rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se também, geralmente, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída.

 

A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das características dos poetas malditos. Filiam-se a essa tradição nomes (com as variantes óbvias de estilo e época) como os de Gregório de Mattos, Augusto dos Anjos, Paulo Leminski, Álvares de Azevedo, Jorge Mautner, Waly Salomão dentre outros, sem falar no trio mais conhecido mundialmente da “parafernália” poética: Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.

 

O ator, produtor, videomaker e agitador cultural que é Artur Gomes acaba de lançar “Juras secretas”, reunião de 100 poemas a maior parte deles sobejando a temática do amor visto na perspectiva de paixão avassaladora. Mas há também, aqui e ali a presença, sempre em perspectiva ousada e radical, de poemas que vão do doce e suave sentido do amor, ao cruel, do libidinoso, à poesia de cunho social sempre expressando indignação, desobediência e transgressão. Com efeito o homem é uma metralhadora giratória a espalhar e espelhar aquilo, que nos vai por dentro e que guardamos em “segredo” de estado. Com a palavra o poeta:

 

Jura de número 34

porque te amo / e amor não tem pele / nome ou sobrenome / não adianta chamar / que ele não vem / quando se quer / porque tem seus próprios códigos / e segredos/mas não tenha medo / pode sangrar pode doer / e ferir fundo / mas é a razão de estar no mundo / nem que seja por segundo / por um beijo mesmo breve / por que te amo / no sol no sal no mar na neve

 

Jura 63

não sei se escrevo tanto / não sei se escrevo tenso / um fio elétrico suspenso / com tanta coisa no Ar / não sei se olho em teu olho / para encontrar a entrada / da porta da tua casa / onde a palavra estiver / não sei se pinto um Van Gogh / ou escrevo um Baudelaire

 

Jura 69

há muito tempo / não morro mais aqui / minha cidade é desbotada / há muito perdeu o brilho / na minha voracidade o sol é claro / e a arte que preparo / é o tiro que disparo / é a arma que engatilho.

 

Jura 70

meto meus dedos cínicos / no teu corpo em fossa / proclamando o que ainda possa / vir a ser surpresa / porque meu amor não tem essa / de cumer na mesa / é caçador e caça mastigando na floresta / todo tesão que resta desta desta pátria indefesa / ponho meus dedos cínicos / sobre tuas costas / vou lambendo bostas / destas botas neo burguesas / porque meu amor não tem essa / de vir a ser surpresa / é língua suja e grossa / visceral ilesa / pra lamber tudo que possa / vomitar na mesa / e me livrar da míngua / desta língua portuguesa.

 

Com efeito, forçoso concordar com Tanussi Cardoso, em Posfácio ao livro, que a poesia de Artur Gomes é “uma poesia do livre desejo e do desejo livre. Nela, não há espaço para o silêncio: é berro, uivo, canto e dor. Pulsão. Textura de vida. Uma poesia que arde (em) seu rio de palavras”.

 

Artur Gomes

Juras Secretas

Editora Litteralux – 2018


O Homem Com A Flor Na Boca

 

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Juras Secretas

  ainda que fosse só saudade ou essa jura secreta não fosse mais nada mesmo assim nessa madrugada pensei o quanto ainda queria e não fizemos...