feitiçarias de Artur Gomes –
por Michèle Sato
Difícil iniciar um prefácio para abordar feitiçarias de um
grande mestre. A mágica aparição do texto transborda sentidos cósmicos, como se
um feixe de luz penetrasse em um túnel escuro dando-lhe o sorver da vida.
Diariamente, recebo um deserto imenso de poemas e a leitura se esvai com “batatinha quando
nasce põe a mão no coração”. Um ou outro me chama a atenção, desde que
sou do chamado “mundo das ciências” e leio poemas com coração, mas
inevitavelmente aguçado pelo olhar crítico vindo do cérebro.
A academia pode ser engessada, mas é, sobremaneira, exigente.
Aplaude o inédito, reconhecendo que o poema é um caos antes de ser
exteriorizado, mas harmônico, quando enfeitiçado. A leitura requer algo como
canto do vento, que não seja fugaz, mas que acaricie no assopro da Terra. Por
isso, é com satisfação que inicio este pequeno texto, sem nenhuma pretensão de
esgotar o talento do grande mestre, mas responder aos poemas
de Artur que brilham, soltam faíscas, incendeiam-se em erotismo e
garras enigmáticas. Ele transcende regras, inventa palavras, enlouquece verbos.
E as relações estabelecidas revelam a desordem dos sonhos na concretude
harmônica de suas palavras.
A aventura erótica não se despede de seu olhar político.
Situado fenomenologicamente no mundo, e transverso
nele, Artur profana o sagrado com suas invenções transgressoras.
Reinventa a magia e decreta uma nova vida para que o mundo não seja habitado
somente pelos imbecis. Dança no universo, com a palavra fluída, imprevistos
pitorescos, mordidas e grunhidos. Reaparece no meio de um cacto espinhoso, mas
é absurdamente capaz de ofertar a beleza da flor.
Contemporâneo e primitivo se aliam, vencem os abismos como se
ao comerem as palavras monótonas, pudessem renascer por meio da antropofagia
infinita de barulhos e silêncios. O sangue coagulado jorra, as cavernas se
dissolvem e é provável que poucos compreendam a beleza que daí se
origina.
Nos labirintos de suas palavras, resplandece o guerreiro
devorador, embriagado, quase descendo ao seu próprio inferno. Emana seu fogo,
na ardência de sexo e simultaneamente na carícia do amor. Pedras frias se
aquecem, coram com o tom devasso que colore a mais bela das pornofonias.
Marquês de Sade sente inveja por não ser o único déspota das palavras sensuais.
E os poemas de Artur reflorescem, exalam odor como desejos secretos e
risos que ecoam no infinito.
não fosse essa alga queimando em tua coxa ou se
fosse e já soubesse mar o nome do teu macho o amor em ti consumiria (jura
secreta 5)
De repente um cavalo selvagem cavalga na relva úmida, como se
o orvalho da manhã pudesse revelar o fogo roubado das pinturas rupestres. Ao
som de tambores, suas palavras se tornam arte em si, como se fossem desenhos
projetados em um fantástico mundo vertiginoso. Seres encantados surgem das
águas originários de sentimento, abraçadas nas pedras lisas, rugosas,
esverdeadas da terra. O fogo dança em vulcões e a metamorfose é percebida em
seus ares. Os elementos se definem como bestas, humanos, ou segmentos da natureza
como uma orquestra sinfônica que vai além da sonoridade. Adentram sentidos
polissêmicos e, neste momento, até o André Breton percebe o
significado das palavras de Artur, pois a beleza é convulsiva e crava no
peito feito cicatriz.
e o que não soubesse do que foi escrito está
cravado em nós como cicatriz no corte (jura secreta 10)
Da violação do limite, do fruto proibido ou da linguagem
erótica, os poemas de Artur são orgasmos literários que oscilam entre o sacro e
o profano. Sua cultura, visão de mundo e inteligência possibilitam ir além da
pura emoção sentimental, evocando a liberdade para que a terra asfixiada grite
pela esperança.
Artur comunga com outros seres a solidariedade da Terra,
ainda que por vezes, seja devastador em denunciar disparidades, mas é
habilidoso em anunciar acalentos. A palavra poética desfruta fronteiras,
e Roland Barthes diria que a história de Artur é o seu
tributo apaixonado que ele presta ao mundo para com ele se conciliar. Em sua
linguagem explosiva, provavelmente está a intensidade de sua paixão - um amor
perverso o suficiente para viciar em suas palavras, mas delicado o bastante
para dar gênese ao mundo enfeitiçado pela habilidade de sua linguagem.
A essência deste perfume parece estar refletida num espelho,
pois se as linguagens podem incluir também o silêncio, as palavras
de Artur soam como uma melodia. Projetada numa tela, a pintura
erótica torna-se sublime e para além de escrevê-las, ele vive suas linguagens.
Esta talvez seja a diferença de Artur com tantos outros poetas: a sua
capacidade de transcender a tradição medíocre para viver um intenso de mistério
de sua poética. Ele não duvida de suas palavras, nem as censura para não
quebrar seu encanto, mas devora em seu ser na imaginação e no poder de sua
criação. Criador e criatura se misturam, zombam da vida, gargalham da
obviedade. Põem-se em movimento na dança estrelas que iluminam a palavra.
Os fragmentos poéticos são misteriosos de propósito, uma
cortina mal fechada assinala que o palco pode ser visto, porém não em sua
totalidade. Disso resulta a sedução para que ele continue escrevendo, numa
manifestação enigmática do poder surrealista em nos alertar sobre nossas
incompletudes fenomenológicas. O imperfeito é o sentido da fascinação, diria
Barthes em seus fragmentos de um discurso amoroso. E a poética
de Artur não representa ressurreição, nem logro, senão nossos
desejos. O prazer do texto pode revelar o prazer do autor, mas não
necessariamente do leitor.
Mas Artur lança-se nesta dialética do desejo,
permitindo um jogo sensual que o espaço seja dado e que a oportunidade do
prazer seja saciada como se fosse um "kama sutra
poético" para além do prazer corporal. Esta duplicidade semiológica
pode ser compreendida como subversiva da gramática engessada - o que, em
realidade, torna seus textos mais brilhantes. Não pela destruição da erudição,
mas pela abertura da fenda, para que a fruição da linguagem seja bandeira
cultural da liberdade.
E a sua liberdade projeta-se num horizonte onde a dimensão
sócio-ambiental é freqüentemente presente. É uma poesia universal de
representações urbanas e rurais, de flora, fauna e fontes de praças públicas.
Dessacralizando o “normal previsível”, borda em sua costura de
mosaicos, esquinas e passaredos.
não gosto de sistemas
seja qual
for
prefiro a anarquia do poema
para alvoroçar o meu amor
28)
A poética das Juras Secretas opõem-se a
instância pretérita numa espiral de presente com futuro. Metafisicamente,
desliga-se do momento agonizante e os olhos do poeta não se cansam, ainda que a
paisagem queira cansá-los. Seu toque lembra o neoconcretismo, por vezes, cuja
aparição na semana da arte moderna mexeu com os mais tradicionais versos da
literatura ordinária. Mas sua temporalidade vence Chronos, na
denúncia de um calendário tirano ao anúncio de Kairós, também senhor
do tempo, mas que media pelos ritmos do coração.
20 horas 20 noites 20 anos 20 dias até quando
esperaria... até quando alguém percebesse que mesmo matando o amor o amor não
morreria. (jura secreta 51)
É óbvio que a materialidade da linguagem, sua prosódia e seu léxico se mantêm no texto. Mas foge das estruturas engessadas do arrombo repetitivo, florescendo em neologismos verossímeis e ritmos cardíacos. Amiúde, são palavras jorradas em potente cultura significante. No chão dialogante, este poeta desestabiliza a normalidade com suas criações.
por que te amo e amor não tem pele nome ou
sobrenome não adianta chamar que ele não vem quando se quer porque tem seus
próprios códigos e segredos mas não tenha medo pode sangrar pode doer e ferir
fundo mas é razão de estar no mundo nem que seja por segundo por um beijo mesmo
breve por que te amo no sol no sal no mar na neve. (jura secreta 34)
ARTUR GOMES é, para mim, um grande relato de seu próprio devir, que sabe poetizar a partir de seu vivido. E por isso, enfeitiça.
Michèle Sato – Bióloga, pesquisadora na Universaidade Federal do Mato Grosso do Sul.
não fosse essa jura secreta
mesmo se fosse e eu não falasse
com esse punhal de prata
o sal sob o teu vestido
o sangue no fluxo sagrado
sem nenhum segredo
esse relógio apontado pra lua
não fosse essa jura secreta
mesmo se fosse eu não dissesse
essa ostra no mar das tuas pernas
como um conto do Marquês de Sade
no silêncio logo depois do susto
a língua escava entre os dentes
a palavra nova
fulinaimânica/sagarínica
algumas vezes muito prosa
outras vezes muito cínica
tudo o que quero conhecer:
a pele do teu nome
a segunda pele o sobrenome
no que posso no que quero
a pele em flor a flor da pele
a palavra dandi em corpo nua
a língua em fogo a língua crua
a língua nova a língua lua
fulinaímica/sagaranagem
palavra texto palavra imagem
quando no céu da tua boca
a língua viva se transmuta na viagem
não fosse esse punhal de prata
mesmo se fosse e eu não quisesse
o sangue sob o teu vestido
o sal no fluxo sagrado
sem qualquer segredo
esse rio das ostras
entre tuas pernas
o beijo no instante trágico
a língua sem que ninguém soubesse
no silêncio como susto mágico
e esse relógio sádico
como um Marquês de Sade
quando
é primavera
fosse essa jura sagrada
como uma boda de sangue
às 5 horas da tarde
a cara triste da morte
faca de dois gumes
naquela nova granada
e Federico Garcia Lorca
naquela noite de Espanha
não escrevesse mais nada
a menina dos meus olhos
com os nervos à flor da pele
brinca de bem-me-quer
ela inda pensa que é menina
mas já é quase uma mulher
não fosse essa alga
queimando em tua coxa
ou se fosse e já soubesse
mar o nome do teu macho
o amor em ti consumiria
Olga Savary
no sumidouro dos meus dias
o couro cru
na antropofágica erótica
carne viva
tua paixão em mim
voraz língua nativa
o que passou não ficará já foi
a menina dos meus olhos
roubou a tua menina
e levou para festa do boi
fosse um Salgado Maranhão
nosso batismo de fogo
25 de março
e o morro querosene em chamas
no canto pro tempo nascer
e o amor que a gente faria
o sol acabou de fazer
fosse Sampa uma cidade
ou se não fosse não importa
essa cidade me transporta
me transborda me alucina
me invade inter/fere na retina
com sua cruel beleza
como Mário de Andrade
e sua delicadeza
Jura Secreta 8
artefato (poema sujo)
numa cidade abstrata
sem sentido ou significado
matadouro é arte concreta
veracidade é pecado
pago com pena de morte
esta máquina de escrever
fotografada em Itaguara
como um poema de Lorca
escrito em Nova Granada
cravado em Araraquara
você não sabe onde está
você não sabe onde é
você não sabe de quem foi
este punhal na metáfora
que sangra a carne do boi
Jura secreta 9
não fosse o teu amor
o meu conforto
e eu teu anjo torto
meu amor como seria
se a jura secreta
não fosse mais que um poema
e se eu não te amasse
como Glauber no cinema
o que tenho aqui
no corpo em transe
:
a quem daria?
fosse o que eu quisesse
apenas um beijo roubado em tua boca
dentro do poema nada cabe
nem o que sei nem o que não se sabe
e o que não soubesse
do que foi escrito
está cravado em nós
como cicatriz no corte
entre uma palavra e outra
do que não
dissesse
para jiddu saldanha
arrancar do gesto
a palavra chave
da palavra a imagem xis
tudo por um risco
tudo por um triz
novo enredo para o próximo carnaval
Jura secreta 12
Sargaço em tua boca espuma
em Armação de Búzios
tenho um amor sagrado
guardado como jura secreta
que ainda não fiz para Laís
em teus cabelos girassóis de estrelas
que de tanto vê-las o meu olho vela
e o que tanto diz onda do mar não leva
da areia da praia onde grafei teu nome
para matar a sede e muito mais a fome
entranhada na carne como flor de Lótus
grudada na pele como tatuagem
flutuando ao vento como leve pluma
no salgado corpo do além mar afora
sargaço em tua boca espuma
onde moram peixes - na cumplicidade
do que escrevo agora
o tecido do amor já esgarçamos
em quantos outubros nos gozamos
agora que palavro Itaocaras
e persigo outras ilhas
na carne crua do teu corpo
amanheço alfabeto grafitemas
quantas marés endoidecemos
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga risse
pulsando em nós flechas de fogo se existisse
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse
eu te desejo flores lírios brancos
margaridas girassóis rosas vermelhas
e tudo quanto pétala
asas estrelas borboletas
alecrim bem-me-quer e alfazema
eu te desejo emblema
deste poema desvairado
com teu cheiro teu perfume
teu sabor teu suor tua doçura
e na mais santa loucura
declarar-te amor até os ossos
eu te desejo e posso :
palavrArte até a morte
enquanto a vida nos procura
Jura secreta 15
leminskiAna
o estado pode ser de choque
ou quem sabe até de surto
o soco pode ser no estômago
a facada pra ferir o fígado
o bandido me assaltar na via
o sangue explodir na veia
a vodka só me dar azia
todo instante que vier eu curto
a palavra que pintar eu furto
tudo o que eu faço é poesia.
para may pasquetti
fosse esta menina Monalisa
ou se não fosse apenas brisa
diante da menina dos meus olhos
com esse mar azul nos olhos teus
não sei se MichelÂngelo
Da Vinci Dalí ou Portinari
te anteviram
no instante maior da criação
pintura de um arquiteto grego
quem sabe até filha de Zeus
já estão dentro dos meus
Jura secreta 17
meu objeto concreto
é um poema abstrato
impressionista realista
quem sabe neo concretista
poderoso artefato
uma bomba de Hiroshima
uma rosa parafina
ou quem sabe uma menina
que conheci só no retrato
Jura secreta 18
te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo
os peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
as rendas finas que vestias
sobre os teus pelos ficção
todos os laços dos tecidos
aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
o batom da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes
e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa
Jura secreta 19
quero dizer que ainda arde
tua manhã em minha tarde
a tua noite no meu dia
tudo em nós que já foi feito
com prazer ainda faria
quero dizer que ainda é cedo
ainda tenho um samba/enredo
tudo em nós é carnaval
é só vestir a fantasia
quero ser teu mestre sala
e você porta/bandeira
quando chegar na quarta feira
a gente inventa outra fulia
Jura secreta 20
não fosse o amor
essa faca de dois gumes
e o tempo que chove na janela
entre os meus e os olhos dela
alguma face no espelho
e o sangue escorrendo pelas veias
atiçando unhas e músculos
quando a carne é brasa
e as paredes dessa casa
não separassem mais nada
com tudo aquilo que penso
Jura secreta 21
Ana quando a vida não for sacana
a gente engendra a Sagarana
e inventra a SagaraNAgem
não te preocupes Luisa
com o elo dessa engrenagem
com a direção do vento norte
ou se vem do sul esta brisa
se embaixo em tua camisa
palpitam dois seios fortes
que minhas mãos roçam em cheio
nas cenas que escrevi
e transcrevi por e-mails
os sonhos que prometeu
mas que agora não são teus
eles ficaram por aqui
Jura secreta 22
entre/dentes3
olhei para cara do tempo
ela estava fechada
não me dizia nada
pensei as SagaraNAgens
que o tempo fazia comigo
peguei do tempo o umbigo
cortei na ponta da faca
e a tua cara de vaca
sangrei sem nenhum remorso
porque isso o tempo não tem
agora o tempo sorri
me mostra os dentes da boca
e a tua cara de louca
é a minha cara também
Jura secreta 23
a lavra da pa/lavra quero
a lavra da palavra quero
quando for pluma
mesmo sendo espora
felicidade uma palavra
onde a lavra explora
se é saudade dói mas não demora
e sendo fauna linda como a Flora
lua Luanda vem não vá embora
se for poema fogo do desejo
quando for beijo que seja como agora
a lavra da palavra quero
seja pele pluma
onde Mayara bruma
já me diz espero
saliva na palavra espuma
onde tua lavra é uma
elétrica pulsação de Eros
a dança do teu corpo vero
onde tu alma luna
e o meu corpo empluma
valsa por Laguna em beijos e boleros
Jura secreta 24
Cezane não pintava flores
montado em seu cavalo alado
despeja cores
no corpo da mulher amada
com os pincéis
encravados entre as coxas
transformou Hollandas
em quintais de vento
reINventou o tempo
na hora de pintar
Jura secreta 25
Mar de Búzios
vasa sob meus pés um Rio das Ostras
as minhas mãos em conchas
passeiam o mangue dos teus seios
e provocam o fluxo do teu sangue
os caranguejos olham admirados
a volúpia dos teus cios
quando me entregas o que traz
por entre as praias
e permites desatar
todos os nós do teu umbigo
transbordando mar de búzios
oceanos - Atlântico pulsar entre dois corpos
que se descobrem peixes -
e mergulham profundezas
qualquer que seja a hora
em que se beijam num pontal
em comunhão total com a natureza
Jura secreta 26
eu sou Drummundo
e me confundo na matéria amorosa
posso estar na fina flor da juventude
ou atitude de uma rima primorosa
e até na pele/pedra
quando me invoco
e me desbundo baratino
e então provoco
um barafundo Cabralino
e meto letra no meu verso
estando prosa
e vou pro fundo
do mais fundo
o mais profundo
mineral Guimarães Rosa
Jura secreta 27
o rio com seus mistérios
molha meu cio em silêncio
desejo o que nos separa
a boca em quantos minutos
as flores soltas na fala
o pó dos ossos dos anos
você me diz não ter pressa
seus olhos fogo na sala
o beijo um lance de dados
cuidado cuidado cuidado
que sou um anjo de fadas
não beije assim meus segredos
meus olhos faróis nos riachos
meus braços dois afluentes
pedaços do corpo do rio
meus seios ilhas caladas
das chamas não conhece o pavio
se você me traz para o cio
assim que o sexo aflora
esta palavra apavora
o beijo dado mais cedo
quebra meu ser no espelho
meu cerne é carne de vidro
na profissão dos enredos
quanto mais água me sinto
presa ao lençol dos seus dedos
o rio retrata meu centro
na solidão de mim mesma
segundo a segundo nas águas
lá onde o sol é vazante
lá onde a lua é enchente
lá onde o rio é estrada
onde coloca seus versos
me encontro peixe e mais nada
Jura secreta 28
eu sei de gente e de bichos
ambos atolados no lixo
tem gente que come bicho
tem bicho que come gente
tem gente que vive no lixo
tem lixo que mora no bicho
gente que sabe que é bicho
e bicho que pensa ser gente
Jura secreta 29
o amor
não é apenas um nome
que anda por sobre a pele
um dia falo letra por letra
no outro calo fome por fome
é que a pele do teu nome
consome a flor da minha pele
cravado espinho na chaga
como marca cicatriz
eu sou ator ela esfinge:
Clarice/Beatriz:
assim vivemos cantando
fingindo que somos decentes
para esconder o sagrado
em nossos profanos segredos
se um dia falta coragem
a noite sobra do medo
é que na sombra da tatuagem
sinal enfim permanente
ficou pregando uma peça
em nosso passado presente
o nome tem seus mistérios que
se escondem sob panos
o sol é claro quando não chove
o sal é bom quando de leve
para adoçar desenganos
na língua na boca na neve
o mar que vai e vem não tem volta
o amor é a coisa mais torta
que mora lá dentro de mim
teu céu da boca é a porta
onde o poema não tem fim
Jura secreta 30
afora em mim grafitemas
nenhuma figuralidade
frutas legumes verduras
quem cala a fala consente
houve um tempo que a dita/dura
calou a fala da gente
grafito em tua carne de pedra
medusa de sete patas
poema de sete cabeças
miragens do amor que enlouqueça
apóstolos na santa ceia
Miró brincando de circo
com os olhos na lua cheia
Jura Secreta 31
de Dante a Chico Buarque
todos os poetas
já cantaram suas musas
Beatriz são muitas
Beatriz são quantas
Beatriz são todas
Beatriz são tantas
algumas delas na certa
também já foram cantadas
por este poeta insano e torto
pra lhes trazer o desconforto
do amor quando bandido
Beatriz são nomes
mas este de quem vos falo
não revelo o sobrenome
está no filme sagrado
na pele do acetato
na memória do retrato
Beatriz no último ato
da Divina Comédia Humana
quando deita em minha cama
e come do fruto proibido
Jura Secreta 32
fosse apenas o que já foi dito
escrito falado pensado
não fosse tudo o que já foi maldito
e nada do que nunca foi sagrado
falo em tua boca enquanto em transe
um anjo me ilumina tanto
que mesmo mudo em tua língua canto
como um diabo que subindo aos céus
tentou muito mais de uma vez
quem sabe Gregório ou quem sabe Castro
descendo aos infernos como sempre fez
talvez Camões no corpo de um astro
me lance a infinita chama da pornô Gráfica lucidez
Jura Secreta 33
o poema pode ser
um beijo em tua boca
carne de maçã em maio
um tiro oculto sob o céu aberto
estrelas de néon em Vênus
refletindo pregos no meu peito em cruz
na Paulista Consolação
na Água Branca Barra Funda
metal de prata desta lua que me inunda
num beijo sujo com uma Estação da Luz
nos vídeos.filmes de TV
eu quero um clipe nos teus seios quentes
uma cilada em tuas coxas japa
como uma flecha em tuas costas índia
ninja gueixa eu quero a rota teu país ou mapa
teu território devastar inteiro
como uma vela ao mar de fevereiro
molhar teu cio e me esquecer na Lapa
Jura secreta 34
por que te amo
e amor não tem pele
nome ou sobrenome
não adianta chamar
que ele não vem quando se quer
porque tem seus próprios códigos
e segredos
mas não tenha medo
pode sangrar pode doer
e ferir fundo
mas é razão de estar no mundo
nem que seja por segundo
por um beijo mesmo breve
por que te amo
no sol no sal no mar na neve
Jura Secreta 35
Aqui,
redes em pânico pescam
esqueletos no mar
- esquadras - descobrimento
espinhas de peixe convento -
cabrálias esperas relento -
escamas secas no prato
e um cheiro podre no
AR
caranguejos explodem
mangues em pólvora
Ovo de Colombo quebrado
areia branca inferno livre
Rimbaud - África virgem
carne na cruz dos escombros
trapos balançam varais
telhados bóiam nas ondas
tijolos afundando náufragos
último suspiro da bomba
na boca incerta da barra
esgoto fétido do mundo
grafando lentes na marra
imagens daqui saqueadas
Jerusalém pagã visitada
- Atafona.Pontal.Grussaí -
as crianças são testemunhas:
Jesus Cristo não passou por aqui
Miles Davis fisgou na agulha
Oscar no foco de palha
cobra de vidro sangue na fagulha
carne de peixe maracangalha
que mar eu bebo na telha
que a minha língua não tralha?
penúltima dose de pólvora
palmeira subindo a maralha
punhal trincheira na trilha
cortando o pano a navalha
- fatal daqui Pernambuco
Atafona.Pontal. Grussaí -
as crianças são testemunhas :
Mallarmé passou por aqui.
bebo teu fato em fogo
punhal na ova do bar
palhoças ao sol fevereiro
aluga-se teu brejo no mar
o preço nem Deus nem sabre
sementes de bagre no porto
a porca no sujo quintal
plástico de lixo nos mangues
que mar eu bebo afinal?
Jura Secreta 36
cardio.grafia da
pele
que esta palavra bendita
nãos seja dor quando mal dita
como espinha quando aflora
ou espora enquanto irrita
minha cardio.grafia em suma
não é pena nem pluma
apenas palavra que resuma
o silêncio como agora
ou sonora enquanto grita
Jura Secreta 37
devemos não ter pressa
a lâmina acesa sob o esterco de Vênus
onde me perco mais me encontro menos
de tudo o que não sei
só fere mais quem menos sabe
sabre de mim baioneta estética
cortando os versos do teu descalabro
visto uma vaca triste como a tua cara
estrela cão gatilho morro:
a poesia é o salto de um vara
disse-me uma vez só quem não me disse
ferve o olho do tigre enquanto plasma
letal a veia no líquido do além
cavalo máquina meu coração quando engatilho
devemos não ter pressa
a lâmina acesa sob os demônios de Eros
onde minto mais porque não veros
fisto uma festa mais que tua vera
cadela pão meu filho forro:
a poesia é o auto de uma fera
devemos não ter pressa
a lâmina acesa sob os panos quem incesta ?
perfume o odor final do melodrama
sobras de mim papel e resma
impressão letal dos meus dedos imprensados
misto uma merda amais que tua garra
panela estrada grão socorro:
a poesia é o fausto de uma farra
Jura Secreta 38
travessia
de Almada vou de atravessar o Tejo
barco à vela Portugal afora
em Lisboa vou compor um fado
e cantar no Porto feito um blues
rasgado de amor pela senhora
que me espera em paz
e todo vinho que eu beber agora
será como beijo que eu guardei inteiro
como um marinheiro que retorna ao cais
Jura secreta 39
transPiração ANTROPO /
fágica
por onde quer que eu te cantasse
devorasse amasse ou comesse
não bastaria o poema
por onde então começasse
Jura Secreta que fosse
palavra indiscreta escrevesse
meus dentes em teu corpo deixasse
a língua onde quer que lambesse
não bastariam meus dedos em riste
lavrando a carne onde berras
se queimas no inferno de Dante
e não sabes ver que o amante
é o SER transPirado da Terra
Jura Secreta 40
moro no teu mato dentro
não gosto de estar por fora
tudo que me pintar eu invento
como o beijo no teu corpo agora
desejo-te pelo menos enquanto resta
partícula mínima micro solar floresta
sendo animal da Mata Atlântica
quântico amor ou meta física
tudo o que em mim não há respostas
metáfora D´alquimim fugaz Brazílica
beijo-te a carne que te cobre os ossos
pele por pele sobre tuas costas
os bichos amam em comunhão na mata
como se fosse aquela hora exata
em que despes de mim o ser humano
do corpo rasgamos todo pano
e como um deus pagão pensamos sexo.
Jura Secreta 41
Goytacá Boy
musicado e cantado por Naiman
no CD fulinaíma sax blues poesia
2002
ando
por São Paulo meio Araraquara
a pele índia do meu corpo
concha de sangue em tua veia
sangrada ao sol na carne clara
juntei meu goytacá teu guarani
tupy or not tupy
não foi a língua que ouvi
em tua boca caiçara
para falar para lamber para lembrar
da sua língua arco íris litoral
como colar de uiara
é que eu choro como a chuva curuminha
mineral da mais profunda
lágrima que mãe chorara
para roçar para provar para tocar
na sua pele urucum de carne e osso
a minha língua tara
sonha cumer do teu almoço
e ainda como um doido curuminha
a lamber o chão que restou da Guanabara
Jura Secreta 42
1
xangô é parte da pedra
exu fagulha de ferro
ogum espada de aço
faz do meu colo teus braços
oxossi é carne da mata
yansã é fogo vento tempestade
yemanjá água do mar
oxum é água doce
oxalá em ti me trouxe
te canto como se fosse u
m novo deus em liberdade
2
sou teu leão de fogo
todo jogo que me propor eu topo
beber teu copo comer da tua comida
encarar de frente
a janela de entrada
e se for preciso a porta de saída
Jura Secreta 43
veraCidade
por quê trancar as portas
tentar proibir as entradas
se já habito os teus cinco sentidos
e as janelas estão escancaradas ?
um beija flor risca no espaço
algumas letras de um alfabeto grego
signo de comunicação indecifrável
eu tenho fome de terra
e esse asfalto sob a sola dos meus pés
agulha nos meus dedos
quando piso na Augusta
o poema dá um tapa na cara da Paulista
flutuar na zona do perigo
entre o real e o imaginário
João Guimarães Rosa
Caio Prado
Martins Fontes
um bacanal de ruas tortas
eu não sou flor que se cheire
nem mofo de língua morta
o correto deixei na Cacomanga
matagal onde nasci
com os seus dentes de concreto
São Paulo é quem me devora
e selvagem devolvo a dentada
na carne da rua Aurora
Jura Secreta 44
eu sou o outro que habita
dentro do meu outro eu
não a casca da cápsula
da carcaça aqui de fora
o que se vê no espelho
é só miragem
- Narciso mergulhado
à própria sombra -
o cavalo
na folhagem esse sim
é o que se vê na tela
quando a câmera revela
o concreto da outra pessoa
que não sou
Jura Secreta 45
fulinaimagem
1
por enquanto
vou te amar assim em segredo
como se o sagrado fosse
o maior dos pecados originais
e minha língua fosse
só furor dos Canibais
e essa lua mansa fosse faca
a afiar os versos que inda não fiz
e as brigas de amor que nunca quis
mesmo quando o projeto
aponta outra direção embaixo do nariz
e é mais concreto
que a argamassa do abstrato
por enquanto vou te amar assim
admirando teu retrato
enquanto penso minha idade
e o que trago da cidade
embaixo as solas dos sapatos
2
o que trago
embaixo as solas dos sapatos é fato
bagana acesa
sobra do cigarro é sarro
dentro do carro
ainda ouço Jimmi Hendrix
quando quero
dancei bolero
sampleAndo rock and roll
prá colher lírios
há que se por o pé na lama
a seda pura foto-síntese do papel
tem Flor de Lótus nos bordéis Copacabana
procuro um mix da guitarra de Santanna
com os espinhos da Rosa de Noel
Jura Secreta 46
bolero blue
beber desse conhac em tua boca
para matar a febre
nas entranhas entre/dentes
indecente é uma forma que te como
bebo ou calo
e se não falo quando quero
na balada ou no bolero
não é por falta de desejo
é que a fome desse beijo
furta outra qualquer palavra presa
como caça indefesa
dentro da carne que não sai
Jura Secreta 47
a face oculta da maçã
duas partes que se abrem pêssego
campo de girassóis teus pelos
alvoroçados sob o sol de Amsterdã
enquanto isso
em teus mamilos penso
o que ainda não comi desta maçã
Jura Secreta 48
sagarínica
fulinaimânica
não sou iluminista nem pretender
eu quero o cravo e a rosa
cumer o verso e a prosa
devorar a lírica a métrica
a carne da musa
seja branca negra amarela
vermelha verde ou cafuza
eu sou do mato
curupira carrapato
sou da febre sou dos ossos
sou da Lira do Delírio
São Virgílio é o meu sócio
Pernambuco Amaralina
vida breve ou sempre vida/severina
sendo mulher ou só menina
que sendo santa prostituta
ou cafetina devorar é minha sina
e profanar é o meu negócio
Jura Secreta 49
para Márcio Vaccari
te procurei na Ipiranga
não te encontrei na Tiradentes
nas tuas tralhas tuas trilhas
nos trilhos tortos do Braz
fotografei os destroços
na íris do satanás
a cara triste da Mooca
a vaca morta no trem
beleza no caos: urbana
beleza é isso também
meu bem ainda mora distante
deste bordel carNAvalho
a droga a erva o bagulho
Tietê um tonto espantalho
Jura Secreta 50
entri / dentes
queimando em Mar de Fogo me Registro
lá no fundo do teu íntimo
bem no branco do meu nervo
brota uma onde de sal e líquido
procurando a porta do teu cais
teu nome já estava cravado nos meus dentes
desde quando Sísifo olhava no espelho
primeiro como Mar de Fogo
registro vivo das primeiras Eras
segundo como Flor de Lótus
cravado na pele da flor primavera
logo depois gravidez e parto
permitindo o Logus
quando o amor quisera
Jura Secreta 51
fosse quântico esse dia
calmo claro intenso inteiro
20 de fevereiro
sendo assim esperaria
mesmo que em meio a tarde
TROVOADAS tempestades
insanidades guerras frias
iniqüidade
angústia
agonia
mesmo assim esperaria
20 horas
20 noites
20 anos
20 dias
até quando esperaria?
até que alguém percebesse
que mesmo matando o amor
o amor não morreria
Jura Secreta 52
Suassuna no teu corpo
couro de cor Compadecida
Ariano sábio e louco
inaugura em mim a vida
Pedra do Reino no riacho
gumes de atalhos na pedreira
menina dos brincos de pérola
pétala na mola do moinho
palavra acesa na fogueira
pós os ismos tudo e pós
na pele ou nas aranhas
na carne ou nos lençóis
no palco ou no cinema
a palavra que procuro
é clara quando não é gema
até furar os meus olhos
com alguma cascata de luz
devassa em mim quando transcende
lamparina que acende
e transforma em mel
o que antes era pus
Jura Secreta 53
sagaraNAgens fulinaímicas
guima
meu mestre
guima
em mil perdões eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste
da Hygia Ferreira bem casta
aqui nas bandas do leste
a fome de carne é madrasta
ave palavra profana
cabala que vos fazia
veredas em mais Sagaranas
a Morte em Vidas/Severinas
tal qual antropofagia
teu grande Sertão vou cumer
nem João Cabral Severino
nem Virgulino de matraca
nem meu padrinho de pia
me ensinou usar faca
ou da palavra o fazer
a ferramenta que afino
roubei do mestre Drummundo
que o diabo GiraMundo
é o Narciso do meu Ser
Jura Secreta 54
nossas palavras escorrem
pelo escorrer dos anos
estradas virtuais
fossem algaravias
nosso desejo que não se concreta
eu tenho a fome entre os dedos
a sede entre os dentes
e a língua sobre a escrita
que ainda não fizemos
e o que brota desse amor latente
se o desejo é tua boca
no lençol dos dias?
Jura Secreta 55
essa estrada que vai dar
no mar dos teus mistérios
ou
essa estrada que vai dar
no mar dos teus silêncios
ou
apenas o caminho para o mar
na coluna vertebral
dos teus suplícios
ou
o poema puro ofício
de te oferecer amor, meu vício
e te querer estrada.
Sim
Jura secreta 56
ainda que fosse viagem
de metrô ou fantasia
e o assunto que eu mais queria
fosse o que não dissesse
e o mar apenas trouxesse
gaivotas sobre os cabelos
vento sol maresia
e o líquido que não bebemos
fosse conhac ou cerveja
mesmo assim a vida seja
entre o que os pelos lateja
o que a tua boca não fala
o que a tua língua não prova
e a prova das dezessete
te levasse mais cedo
inda assim não tenha medo
a palavra entre meus dedos
é o que ainda não disse
miragem essa coisa nova
agora revisitada
naquela hora marcada
de tudo o que não fizemos
Jura secreta 57
meta metáfora no poema meta
como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico prumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste
como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em prumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece
Jura secreta 58
a carne que me cobre é fraca
a língua que me fala é faca
o olho que me olha vaca
alfa me querendo beta
juro que não sou poeta
a ninfa que me ímã
quando arquiteta
o salto da abelha
quando mel em flor
e pulsa pulsa pulsa pulsa
na matéria negra cor
quando a pele que veste é nada
éter pluma seda em pelo
quando custa estar em Arcozelo
desatar a lã dos fios do novelo
em pleno sol de Amsterdã
desvendar Hollanda
nos mistérios da palavra
por entre o nó dos cotovelos?
Jura secreta 59
a coisa que me habita é pólvora
dinamite em ponto de explosão
o país em que habito é nunca
me verás rendido a normas
ou leis que me impeçam a fala
a rua onde trafego é amplo
atalho para o submundo do escavado fosso
o poço
onde mergulho é fundo
vai da pele que me cobre a carne
ao nervo mais íntimo do osso
Jura secreta 60
qualquer palavra eu invento
na carnadura dos ossos
na escriDura do éter
na concretude do vento
na engrenagem da sílaba
vocabulário onde posso
dar nome próprio ao veneno
que tem o Agro Negócio
Jura Secreta 61
pele grafia
meus lábios em teus ouvidos
flechas netuno cupido
a faca na língua a língua na faca
a febre em patas de vaca
as unhas sujas de Lorca
cebola pré sal com pimenta
tempero sabre de fogo
na tua língua com coentro
qualquer paixão re/invento
o corpo/mar quando agita
na preamar arrebenta
espuma esperma semeia
sementes letra por letra
na bruma branca da areia
sem pensar qualquer sentido
grafito em teu corpo despido
poemas na lua cheia
Juras secreta 62
tenho estado
entre o fio e a navalha
perigosamente – no limite
pulando a cerca da fronteira
entre o teu estado de sítio
e o meu estado de surto
só curto a palavra viva
odeio uma língua morta
poema que presta é linguagem
pratico a SagaraNAgem
na esquina da rua torta
Jura secreta 63
não sei se escrevo tanto
não sei se escrevo tenso
um fio elétrico suspenso
com tanta coisa no Ar
não sei se olho em teu olho
pra encontrar a entrada
da porta da tua casa
onde a palavra estiver
não sei se pinto um Van Gog
ou se escrevo um Baudelaire
Jura secreta 64
para Celso Borges e Lília Diniz
faz escuro mas eu canto
Thiago de Mello
eu sou quem morre e não deita
Salgado Maranhão
pros meus afins está difícil
por isso esse novo canto
se o dia não amanhecer
Querubins e SerAfins
o que será de Parintins
Bumba-Meu-Boi
o que será ?
Maranhão meu São Luiz
o que será de Imperatriz
do povo/boi o que será
do povo/boi o que vai ser?
Jura secreta 65
esse teu olho que me olha
azul safira
ou mesmo verde
esmeralda fosse
pedra - pétala rara
carne da matéria doce
ou mesmo apenas fosse
esse teu olho que me molha
quando me entregas do mar
toda alga que me trouxe
Jura secreta 66
era para ser assim como se foice
no papel de seda era língua e sangue
unhas muitos dedos dentes
nos teus céus de boca
era para ser assim como se fosse
meus olhos no cinema
nos teus olhos presos
e o destino do poema teus lábios indefesos
Jura secreta 67
aqui
os ponteiros
mordem os músculos
do relógio
com seus profanos dentes
onde não tem amanhã
nem ontem
só presente
Jura secreta 68
disseram-me certa vez
que essa escrita que voz falo
é um prato indigesto
osso duro de roer
carne ruim de comer
juro mesmo não presto
:
Federico Baudelaire
koringa boi/pintadinho
muito além do couro cru
muito além da carNAvalha
muito além da mesa posta
tenho mais de 25 mil cartas sem perguntas
e
mais de 25 mil perguntas sem respostas
minha língua é do barbalho
e
nas cartas do meu baralho
eu sei que você não aposta
Jura secreta 69
VeraCidade 2
há muito tempo
não morro mais aqui
minha cidade é desbotada
há muito perdeu o brilho
na minha voracidade o sol é claro
e a arte que preparo
é o tiro que disparo
é a arma que engatilho
Jura Secreta 70
lady gumes african´s baby
meto meus dedos cínicos
no teu corpo em fossa
proclamando o eu ainda possa
vir a ser surpresa
porque meu amor não tem essa
de cumer na mesa
é caçador e caça mastigando
na floresta
todo tesão que resta desta
pátria indefesa
ponho meus dedos cínicos
sobre tuas costas
vou lambendo bostas
destas botas neo burguesas
porque meu amor não tem essa
de vir a ser surpresa
é língua suja e grossa
visceral ilesa
pra lamber tudo que possa
vomitar na mesa
e me livrar da míngua
desta língua portuguesa
Jura secreta 71
o movimento dos barcos
dia desses ainda me leva
mar a dentro
o sal no centro de gravidade
que se move ainda em mim
quando enlouqueço
o endereço do sentido
ainda não tenho
e ando prenho de saudade
do Pontal que um dia foi
Jura secreta 72
Clarice dorme em minhas mãos
a carne trêmula depois do beijo
na maçã que hoje comemos
agora sonha tudo aquilo
que Baudelaire lhe prometeu
quando amanhece
os olhos dela quanto dia
que o dia de ontem não comeu
Jura secreta 73
dois mil e dois
em Porto Alegre era dezembro
num quarto de hotel
entre lençóis de branco linho
teus pelos girassóis em desalinho
a pele rosada como pêssego
a língua eu bebia como vinho
o leite que suguei de teus mamilos
o gosto agora sangue em minha boca
e
o incêndio que apaguei em tuas coxas
agora queima em minha mãos no pergaminho
Jura secreta 74
Guarapari Antropofágica
come. come meus pés descalços
e os vestígios de Anchieta
por onde estiver ainda
come. come todos os passos
e vomita os restos na Ampulheta
porque o tempo tarda mas não finda
Jura secreta 75
é abissal
o cheiro de esperma e susto
não fosse o ópio
nem cem anos de solidão
provocaria tal efeito
o peito estraçalhado
por dentes enigmáticos
Monalisa sangra na Elegia do agora
cada Deusa tem seu Templo
cada mulher tem sua hora
Jura secreta 76
black Billy
gravado no CD Fulinaínma Sax Blues Poesia - 2002
ela tinha um jeito gal – fatal vapor barato
toda vez que me trepava as unhas com um gato
cantar era seu dom
chegava a dominar a voz feito cigarra
cigana ébria vomitando doses do seu canto
uma vez só subiu ao palco
estrela no hotel das prateleiras
companheira de ratos na pele de insetos
praticando a luz incerta no auge do apogeu
a morte
não é muito mais que um plug elétrico
um grito de guitarra – uma centelha
logo assim que ela começa
algo se espelha
na carne inicial de quem morreu
Jura secreta 77
jazz free som balaio
Para Moacy Cirne
gravada no CD fulinaíma sax blues poesia - 2002
ouvidos negros Miles trumpete nos tímpanos
era uma criança forte como uma bola de gude
era uma criança mole como uma gosma de grude
tanto faz quem tanto não me fez
era uma ant/Versão de blues
nalguma nigth noite uma só vez
ouvidos black rumo premeditando o breque
sampa midinigth ou aVersão de Brooklin
não pense aliterações em doses múltiplas
pense sinfonia em rimas raras
assim quando desperta do massificado
ouvidos vais ficando dançarina cara
ao Ter-te Arte nobre minha musa Odara
ao toque dos tambores ecos sub/urbanos
elétricos negróides urbanóides gente
galáxias relances luzes sumos prato
delícias de iguarias que algum Deus consente
aos gênios dos infernos que ardem gemem Arte
misturas de comboios das tribos mais distantes
de múltiplas metades juntas numa parte
Jura secreta 78
a paciência explode
na cara do presidente
arranca-lhe os dentes
e o mandato
a vida é um teatro
no picadeiro do planalto
no circo dos indigentes
Jura secreta 79
um ser de luz
música feminina
invade a minha íris retina
no dia 11 de agosto
despencava a tarde
por entre folhas e fios
de eletricidade
hoje me chega na noite
e me traz um céu
bordado de ternura
e eternidade
Jura secreta 80
as orquídeas ainda são azuis
girassóis relâmpagos na chuva
na surpresa dentro a tempestade
dessa manhã que finda
pimenta tua boca em chamas
incendeia meus lençóis profana
essa linguagem como arco-íris
como fosse pulsação que arde
nas entranhas dessa luz de fogo
nos meus dentes mastigando a tarde
Jura secreta 81
rasguei as velas
que teci em tempestades
rompi as noites
em alto mar de maresias
pensei teu corpo
pra amenizar tanta saudade
e vi teus olhos em cada vela que tecia
Jura secreta 82
perguntei ao Herbert
como vão as coisas
pelas bandas das Minas
não as Gerais
mas as que moram no Cais
da lapa ou do porto
as que fazem direito ou torto
as que tem as costas
em linhas curvas
e atravessam o arco-íris
das formas que nem sei
as que tem um belo horizonte
pelas bandas de São João Del Rey
Jura secreta 83
mordi a carne da maçã
na língua o gosto era o batom
que ela usa nos mamilos
a carne da fruta é vermelha
branca é a minha Vênus de Milos
grafita pela pele pelos poros
como plumas
nas linhas dos lençóis de linho
transpira o amor em desalinho
rasgando toda blusa de lã
da minha musa de Vênus
quando transborda nossa cama de manhã
Jura secreta 84
diante o mar
o que pensar
a não ser o infinito
o grito das baleias
o silêncio dos peixes
a nossa fome disseminada
em cada um deles
os corais os abissais os ancestrais
os minerais os barcos atracados no cais
e o quanto somos finitos
diante o mar
o que pensar
a não ser como ela mexe comigo
aqui agora beliscando meu umbigo
em qualquer lugar que eu esteja
com esse copo de cerveja
diante o mar
o que pensar
a não ser os pés na areia
e quem sabe uma seria
me leve a mergulhar
Jura secreta 85
enquanto você espera
Jesus voltar
- *com a boca escancarada
cheia de dentes
esperando a morte chegar
os políticos te enrabam
até o caroço
dos pés do cu ao pescoço
sem ninguém pra te salvar!
* Raul Seixas - em Ouro de Tolo
Jura secreta 86
os olhos dessa felina
me arranham como unhas
como faca de dois gumes
que todo poema tem
São Sebastião do Sacramento
profana hóstia no altar
sagrada carne de minas
que comi para pecar
Juras secreta 87
imprimo no poema multifaces
na coisa do significado oculto
do desejo onde o beijo não basta
a paixão arrasta a língua
para o poço mais profundo
cheirando as flores do mal
de um Charles Baudelaire
no mais escondido fosso
desse corpo que se quer
Jura secreta 88
em
São Sebastião do Sacramento
suas coxas em movimento
me lembram peixes sagrados
no mar que minas não tem
mãos por teus montes claros
provocam marés - atropelos
passeio de língua entre pelos
em outras partes também
lábios de mel abissal
peixe espada noutro mar - Prometeus
desejos despindo teus seios
teus dentes cravados nos meus
a lua por sobre a capela
a luz em tua alma - donzela
Afrodite - uma caça indefesa
presa - em minhas unhas de Zeus
Jura secreta 89
não sou um anjo certo
estou sempre anjo torto
mas se fizer de mim
anjo da guarda
te guardarei a sete chaves
no armário do meu corpo
Jura secreta 90
do portal desta estação
ouço a voz do teu silêncio
o amor com seus olhos castanhos
passou no trem pra Leningrado
e o nosso encontro marcado
ficou para depois da estação Porto Viejo
onde a droga do desejo
é um veneno pra nós dois.
Jura secreta 91
cara velas ao vento
toda barra em movimento
e o morro do juramento
corre em busca da farinha
que Cabral já descobriu
e um Rio violento
na pedra do Redentor
chora a morte da vizinha
chora a barbárie e o terror
e o marco do monumento
metralhadora e fuzil
pra garantir o movimento
só o prefeito é quem não viu
que esta cidade para olímpica
é uma ponte que caiu
Jura secreta 92
me encanta mais teus olhos
que o plano piloto de Brasilha
o palácio do planalto o alvorada
me encanta mais as mãos da namorada
que a bandeira do Brazil
o céu de anil a Tropicalha
quero muito mais a CarNAvalha
do que a palavra açucarada
quero a palavra sal do suor da carne bruta
Flor de Lótus Cio da Fruta
mesmo quando for somente espinhos
me encanta os pés que a lata chuta
por entender que a vida é luta
para abrir novos caminhos
me encanta mais na lama o lírio
a flor do Lascio
os olhos da minha filha
que o ouro dessas quadrilhas
que habitam esses Palácios
Jura secreta 93
beber da tua língua
líquido na maresia
suor no mar dessa linguagem
e tudo mais beberia
no teu corpo em desalinho
em luas de tempestades
em lençóis de calmaria
palavras em tua boca
levaram-me ao descaminho
amarraste-me em tua cama
com tuas garras de linho
depois que me embriagaste
com tuas garras de vinho
Jura secreta 94
nem todo poema curto
nem todo endereço acerto
a meta do poeta é o alvo
o alvo do poeta é a meta
a flecha estendida no arco
o arco estendido na seta
eu quero teus olhos de vidro
não poema em linha reta
nem toda cidade prova
nem todo poema povo
a clara da gema nova
pode estar dentro do ovo
o biscoito fino pra massa
o Dia D sem trapaça
acende a fornalha na praça
a massa do biscoito fino
Jura secreta 95
como se fosse infinita estrada
provocando descaminhos
desafiando caminhadas
Clarice diante do espelho
no mar do precipício
transparece o corpo em algazarra
a farra do vestido ao vento
mastigando meus instintos
na carne da noite a dentro
Jura Secreta 96
só me queira assim caçado
mestiço vadio latino
leão feroz cão danado
perturbando o teu destino
só me queira enfeitiçado
veloz macio felino
em pelo nu depravado
em tua cama sol à pino
só me queira encapetado
profanando aqueles hinos
malandro moleque safado
depravando os teus meninos
só me queria desalmado
cão algoz e assassino
duplamente descarado
quando escrevo e não assino
Jura secreta 97
mesmo se fosses
andorinha gavião ou colibri
beija-flor singrando os ares
meu amor meu bem-te-vi
Jura Secreta 98
Dandara tão clara
quanto rara
jura secreta
que desabrocha
em flor de lótus
flor de lascio
flor de lírios
flor de cactos
flor/espinho
depois do amor
pedra trans/tornada
flor no meio do caminho
Jura Secreta 99
dentro do quarto
o poema tenso
não entra nem sai
o estômago ronca
as tripas gritam de fome
e o poema preso
tenta dar um salto
pular pelas janelas
o impulso é fraco
o país é pobre
enquanto o povo dorme
a rosa se esfacela
e os restos de bandeja
são vendidos por migalhas
Jura secreta 100
memorial dos ossos
espora essa palavra amolada
dessas que cortam a carne
no primeiro toque
espora em meu sentido rock
não um mero truque
no pulsar da língua
que a tua pele lambe
quando saliva aflora
espora em meu cavalo branco
o simbolismo aceso
todo dia é dia de São Jorge
Jorge Luis Borges
num plural latino
escavar a terra em busca da palavra
quando nervo implora
espora temporal dos músculos
memorial dos ossos nesse tempo bruto
tudo quanto posso
Irina Serafina - Que análise incrível! Michèle
Sato apresenta uma visão profunda e apaixonada da obra de Artur Gomes,
destacando sua capacidade de criar uma linguagem poética única e transgressora.
Ela enfatiza a forma como Artur Gomes desafia as convenções literárias e cria
um novo espaço para a poesia.
A análise destaca a complexidade e a riqueza da linguagem de
Artur Gomes, que combina elementos de erotismo, política e filosofia. Michèle
Sato também enfatiza a capacidade do poeta de criar uma atmosfera de sedução e
mistério, que atrai o leitor e o convida a explorar os labirintos de suas
palavras.
A comparação com outros autores e movimentos literários, como
o surrealismo e o neoconcretismo, ajuda a contextualizar a obra de Artur Gomes
e a destacar sua originalidade.
Michèle Sato também destaca a importância da liberdade e da
criatividade na obra de Artur Gomes, que não se limita a seguir regras ou
convenções, mas sim busca criar um novo espaço para a poesia e a expressão.
Essa análise é uma contribuição valiosa para a discussão sobre
a literatura brasileira contemporânea e destaca a importância da obra de Artur
Gomes como um exemplo de poesia inovadora e transgressora.
Juras Secretas
sob olhares secretos
https://ciadesafiodeteatro.blogspot.com/
Juras secretas em alta voltagem
por Krishnamurti Góes dos Anjos
Poeta maldito é termo utilizado para referir poetas que
constroem uma obra “rebelde” mesmo em face do que é aceito
pela sociedade, considerada como meio alienante e que aprisiona os indivíduos
nas suas normas e regras. Rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição
que se manifesta-se também, geralmente, com a recusa em pertencer a qualquer
ideologia instituída.
A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito
de Antígona é uma das características dos poetas malditos. Filiam-se a essa
tradição nomes (com as variantes óbvias de estilo e época) como os de Gregório
de Mattos, Augusto dos Anjos, Paulo Leminski, Álvares de Azevedo, Jorge
Mautner, Waly Salomão dentre outros, sem falar no trio mais conhecido
mundialmente da “parafernália” poética: Verlaine, Baudelaire e
Rimbaud.
O ator, produtor, videomaker e agitador cultural que é Artur
Gomes acaba de lançar “Juras secretas”, reunião de 100
poemas a maior parte deles sobejando a temática do amor visto na perspectiva de
paixão avassaladora. Mas há também, aqui e ali a presença, sempre em
perspectiva ousada e radical, de poemas que vão do doce e suave sentido do
amor, ao cruel, do libidinoso, à poesia de cunho social sempre expressando
indignação, desobediência e transgressão. Com efeito o homem é uma metralhadora
giratória a espalhar e espelhar aquilo, que nos vai por dentro e que guardamos
em “segredo” de estado. Com a palavra o poeta:
Jura 34
porque te amo / e amor não tem pele / nome ou
sobrenome / não adianta chamar / que ele não vem / quando se quer / porque tem
seus próprios códigos / e segredos/mas não tenha medo / pode sangrar pode doer
/ e ferir fundo / mas é a razão de estar no mundo / nem que seja por segundo /
por um beijo mesmo breve / por que te amo / no sol no sal no mar na neve
Jura 63
não sei se escrevo tanto / não sei se escrevo
tenso / um fio elétrico suspenso / com tanta coisa no Ar / não sei se olho em
teu olho / para encontrar a entrada / da porta da tua casa / onde a palavra
estiver / não sei se pinto um Van Gogh / ou escrevo um Baudelaire
Jura 69
há muito tempo / não morro mais aqui / minha
cidade é desbotada / há muito perdeu o brilho / na minha voracidade o sol é
claro / e a arte que preparo / é o tiro que disparo / é a arma que engatilho.
Jura 70
meto meus dedos cínicos / no teu corpo em fossa /
proclamando o que ainda possa / vir a ser surpresa / porque meu amor não tem
essa / de cumer na mesa / é caçador e caça mastigando na floresta / todo tesão
que resta desta desta pátria indefesa / ponho meus dedos cínicos / sobre tuas
costas / vou
lambendo bostas / destas botas neo burguesas /
porque meu amor não tem essa / de vir a ser surpresa / é língua suja e grossa /
visceral ilesa / pra lamber tudo que possa / vomitar na mesa / e me livrar da
míngua / desta língua portuguesa.
Com efeito, forçoso concordar com Tanussi Cardoso, em Posfácio
ao livro, que a poesia de Artur Gomes é “uma poesia do livre
desejo e do desejo livre. Nela, não há espaço para o silêncio: é berro, uivo,
canto e dor. Pulsão. Textura de vida. Uma poesia que arde (em) seu rio de
palavras”.
Juras secretas de um trovador contemporâneo
por Adriano Moura
“Só uma palavra me devora / Aquela que meu coração não diz”.
Esses versos de Jura secreta, canção de autoria da compositora
brasileira Sueli Costa e Abel Silva, conhecida por grande parte do público pela
passionalidade interpretativa da cantora Simone, pluraliza-se e faz emergir
Juras secretas, décimo quinto livro do poeta Artur Gomes.
Não que haja intertextualidade explícita entre a canção e os
poemas do livro, mas denota o intertexto como uma das principais marcas do
poeta, recurso presente em seus livros anteriores.
Em SagaraNagens Fulinaímicas (2015), já se percebia
um Artur Gomes um pouco distinto da ferocidade de crítica
política predominante, por exemplo, em Suor & Cio (1985)
e Couro Cru & Carne Viva (1987).
Em Juras secretas, o poeta assume de vez sua faceta lírica, e é essa que pontua
as cem “juras” que preenchem o miolo do livro.
Jura secreta 45
por enquanto
vou te amar assim em segredo
como se o sagrado fosse
o maior dos pecados originais
e minha língua fosse
só furor dos canibais
E é com furor canibalesco que se nota, na tessitura poética de
muitos versos, o poeta que se dedica também à leitura da literatura e de outras
artes. Antropofágico, herdeiro de Oswald Andrade e do Tropicalismo, a língua do
poeta devora tudo que o coração não diz para permitir que a poesia o diga.
Hilda Hilst, Portinari, Glauber Rocha, são signos que denotam
o repertório de um leitor-espectador de várias linguagens e que não esconde
essas influências. Porém sua poesia não é enciclopédica. As alusões promovem
efeitos sonoros e imagéticos que contribuem para o desenvolvimento de uma
estilística pessoal e funcional.
Jura secreta 13
quantas marés endoidecemos
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga risse
olhando em nós flechas de fogo se existisse
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse
Artur Gomes é um dos poucos poetas que
mantém viva a tradição da oralidade. Participa de vários encontros Brasil afora
recitando seus versos como um trovador contemporâneo. Nota-se, na estrutura
musical de sua poesia e nas imagens que cria, uma obra que se materializa por
completo quando dita em voz alta. Mas mesmo no silêncio do quarto, da sala, da
praia ou no barulho do carro, trem ou metrô; a poesia de Juras secretas oferece
viagens estéticas aos que sabem que a poesia não está morta como andam pregando
por aí.
Jura secreta 43
com os seus dentes de concreto
São Paulo é quem me devora
e selvagem devolvo a dentada
na carne da rua Aurora
Adriano Carlos Moura
Mestre em Cognição e Linguagem (Uenf). Professor de Literatura
do IFF –
Doutor em Letras, na Universidade Federal de Juiz de Fora-MG –
poeta e dramaturgo
SINOPSE
A poesia de Artur flui feito pluma ao vento, “a lavra da
palavra quero seja pele pluma onde Mayara bruma já me diz espero, saliva na
palavra espuma onde tua lavra é uma elétrica pulsação de Eros”. No entanto,
a despeito da leva da linguagem que segue o ritmo interno da inspiração do
poeta, camufla em partes, em outras escancara, o caráter ardente da poesia que
chama por Eros. Repleta de paixão e de fogo, as imagens de amantes,
as analogias do sexo desprendem deste clamor contido no peito de Artur, mas
que, pelo fazer das letras desenvolve-se na liberação dos desejos mais
sensuais, “essa ostra no mar das tuas pernas”, ou mesmo quando o poeta
compara a procura pela palavra com o escavar libidinoso que os
amantes fazem um pelo corpo do outro, “tudo o que quero conhecer a pele do
teu nome / a segunda pele o sobrenome / no que posso no que quero”. Embora,
por ser poesia, as palavras sejam como “flor”, esta metáfora, esta
alegoria bela e perfumada exala da queimada ardente da linguagem, feito mulher
prenhe de libido, “a pele em flor a flor da pele / a palavra dândi em corpo
nua / a língua em fogo a língua crua / a língua nova a língua lua”. Esta
poesia tão luxuriosa incendeia o solo urbano, tanto quanto a natureza, falando
da monotonia urbana de São Paulo, que alucina a sobriedade do poeta com sua
beleza cruel, cidade no qual o “matadouro” é a arte concreta. Mas feito
pluma ao vento a poesia de Artur enxerga o fogo da paixão, da convicção voando
também para longe da violência e tribulação urbana, pairando sobre a mágica
enamorada das praias, do vento, das sombras, da natureza, local onde residem os
aspectos matrimoniais da união homem-mulher, “qualquer que seja a hora em que
se beijam num pontal em comunhão total com a natureza”. As juras do poeta
ardente profanam o sagrado, quando em sua retórica e discurso extrapolam a
rigidez das formas, mas, em ousadia apelam para as rezas e para o caráter
inviolável das promessas com uma “violência antropofágica erótica”.
Tonho França – poeta e editor
Artur Gomes
É poeta. ator. produtor cultural e vídeo maker.
Tem 21 livros publicados, entre eles: Suor & Cio –
1985 – Couro Cru & Carne Viva – 1987 – BraziLírica Pereira : A
Traição das Metáforas – 2000 – Fulinaína Sax Blues Poesia (CD –
2002 – SagaraNAgens Fulinaímicas – 2015 – Juras Secretas – 2018 –
O Poeta Enquanto Coisa – 2020 – Pátria A(r)mada – 2022 – O Homem Com
A Flor Na Boca – 2023 – Itabapoana Pedra Pássaro Poema – 2025.
De 1975 a 2002 coordenou a Oficina de Artes Cênicas da ETFC –
CEFET-Campos – no IFF Instituto Federal Fluminense.
Em 1983 criou o projeto Mostra Visual de Poesia
Brasileira – realizado até 1994.
Em 1993, criou o projeto Mostra Visual de Poesia
Brasileira, Mário de Andrade – 100 Anos, realizado pelo SESC-SP.
Em 1995, criou o projeto Retalhos Imortais do SerAfim –
Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim – realizado pelo SESC-SP.
De 1996 a 2016, coordenou o Departamento de Audiovisual do
Proyecto Sur Brasil – Bento Gonçalves-RS – realizando Mostras Cine.Vídeo na
programação do Congresso Brasileiro de Poesia.
Em 1999, criou o FestCampos de Poesia Falada,
projeto que é realizado até hoje pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo
Lima.
Em 2005 participou no Itau Cultural São Paulo com a do projeto
Poesia na Idade Mídia – Outros Bárbaros, com a ópera.poética Fulinaíma Outras
Vozes Outras Falas. Projeto idealizado
pelo poeta Ademir Assunção.
De 2014 a 2016, dirigiu Curso de Artes Cênicas no
SESC – Campos.
Em 2018 e 2019, o autor lecionou no Curso Livre de Tetro da
Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima.
Em 2018, participou como convidado do I Festival
Transepoéticas no Museu Naacional de Brasília-DF, projeto idealizado pelo
poeta Adeilton Lima.
Em 2019 criou o projeto Balbúrdia Poética.
Em 2021, fez curadoria
do 1º Festival Cine Vídeo de
Poesia Falada que é realizado na página Studio Fulinaíma Produção
Audiovisual no Facebook*.
Em 2022, integrou a Mostra Bossa Criativa, Arte de
Toda Gente, realizada pela FUNARTE-Rio, Projeto idealizado pelo poeta
Tchello d´Barros.
Foi também curador da Mostra Cine e Vídeo de Poesia Falada
realizada pelo SESC Piracicaba.
Realizou na Santa Paciência - Casa Criativa em Campos dos
Goytacazes-RS 7 edições do projeto: Geleia Geral – 22 100 Anos Depois
Em 2023, criou o projeto Campos Veracidade para a Fundação
Cultural Jornalista Oswaldo Lima onde atualmente atua na coordenação cultural
em Campos dos Goytacazes-RJ.
Em 2024 realizou a Balbúrdia Poética 3 no Bistrô do Ernesto,
Lapa – Rio de Janeiro, em parceira com Luis Turiba e Tchello d ´Barros.
Realizou a Balbúrdia Poética 4 na Patuscada – São Paulo em
parceria como poeta César Augusto de Carvalho.
Em 2025 realizou a Balbúrdia PoÉtica 5 na Academia Campisya de
Letras – a Balbúrdia PoÉtica 6 na USINA4 em Cabo Frio-RJ – a Balbúrdia PoÉtica
7 na Santa Paciência Casa Criativa em Campos
dos Goytacazes-RJ – a Balbúrdia PoÉtica 8 no circuito por Colégios
Estaduais da Região Norte Fluminense – a Balbúrdia PoÉtica 9 na XXII Bienal do
Livro de Campos dos Goytazes-RJ – A Balbúrdia PoÉtica 10 na Casa da Palavra em
Santo André-SP – a Balbúrdia PoÉtica 11 no Bar do Ernesto – Lapa – Rio de
Janeiro-RJ – a Balbúrdia PoÉtica 12 na CasAmarÉlinha em Itapipu – Niterói-RJ
E lançou o livro Itabapoana Pedra Pássaro Poema : Alquimia
Bruxaria Poesia
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