domingo, 13 de outubro de 2024

Juras Secretas

Juras secretas em alta voltagem

Por Krishnamurti Góes dos Anjos

 

Poeta maldito é termo utilizado para referir poetas que constroem uma obra “rebelde” mesmo em face do que é aceito pela sociedade, considerada como meio alienante e que aprisiona os indivíduos nas suas normas e regras. Rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se também, geralmente, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída.

 

A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das características dos poetas malditos. Filiam-se a essa tradição nomes (com as variantes óbvias de estilo e época) como os de Gregório de Mattos, Augusto dos Anjos, Paulo Leminski, Álvares de Azevedo, Jorge Mautner, Waly Salomão dentre outros, sem falar no trio mais conhecido mundialmente da “parafernália” poética: Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.

 

O ator, produtor, videomaker e agitador cultural que é Artur Gomes acaba de lançar “Juras secretas”, reunião de 100 poemas a maior parte deles sobejando a temática do amor visto na perspectiva de paixão avassaladora. Mas há também, aqui e ali a presença, sempre em perspectiva ousada e radical, de poemas que vão do doce e suave sentido do amor, ao cruel, do libidinoso, à poesia de cunho social sempre expressando indignação, desobediência e transgressão. Com efeito o homem é uma metralhadora giratória a espalhar e espelhar aquilo, que nos vai por dentro e que guardamos em “segredo” de estado. Com a palavra o poeta:

 

Jura de número 34

porque te amo / e amor não tem pele / nome ou sobrenome / não adianta chamar / que ele não vem / quando se quer / porque tem seus próprios códigos / e segredos/mas não tenha medo / pode sangrar pode doer / e ferir fundo / mas é a razão de estar no mundo / nem que seja por segundo / por um beijo mesmo breve / por que te amo / no sol no sal no mar na neve

 

Jura 63

não sei se escrevo tanto / não sei se escrevo tenso / um fio elétrico suspenso / com tanta coisa no Ar / não sei se olho em teu olho / para encontrar a entrada / da porta da tua casa / onde a palavra estiver / não sei se pinto um Van Gogh / ou escrevo um Baudelaire

 

Jura 69

há muito tempo / não morro mais aqui / minha cidade é desbotada / há muito perdeu o brilho / na minha voracidade o sol é claro / e a arte que preparo / é o tiro que disparo / é a arma que engatilho.

 

Jura 70

meto meus dedos cínicos / no teu corpo em fossa / proclamando o que ainda possa / vir a ser surpresa / porque meu amor não tem essa / de cumer na mesa / é caçador e caça mastigando na floresta / todo tesão que resta desta desta pátria indefesa / ponho meus dedos cínicos / sobre tuas costas / vou lambendo bostas / destas botas neo burguesas / porque meu amor não tem essa / de vir a ser surpresa / é língua suja e grossa / visceral ilesa / pra lamber tudo que possa / vomitar na mesa / e me livrar da míngua / desta língua portuguesa.

 

Com efeito, forçoso concordar com Tanussi Cardoso, em Posfácio ao livro, que a poesia de Artur Gomes é “uma poesia do livre desejo e do desejo livre. Nela, não há espaço para o silêncio: é berro, uivo, canto e dor. Pulsão. Textura de vida. Uma poesia que arde (em) seu rio de palavras”.


Juras secretas de um trovador contemporâneo 

por Adriano Moura 

“Só uma palavra me devora / Aquela que meu coração não diz”.

 

Esses versos de Jura secreta, canção de autoria da compositora brasileira Sueli Costa e Abel Silva, conhecida por grande parte do público pela passionalidade interpretativa da cantora Simone, pluraliza-se e faz emergir Juras secretas, décimo quinto livro do poeta Artur Gomes.

 

Não que haja intertextualidade explícita entre a canção e os poemas do livro, mas denota o intertexto como uma das principais marcas do poeta, recurso presente em seus livros anteriores.

 

Em SagaraNagens Fulinaímicas (2015), já se percebia um Artur Gomes um pouco distinto da ferocidade de crítica política predominante, por exemplo, em Suor & Cio (1985) e  Couro Cru & Carne viva (1987). Em Juras secretas, o poeta assume de vez sua faceta lírica, e é essa que pontua as cem “juras” que preenchem o miolo do livro.

 

Jura secreta 45

 

por enquanto

vou te amar assim em segredo

como se o sagrado fosse

o maior dos pecados originais

e minha língua fosse

só furor dos canibais

 

E é com furor canibalesco que se nota, na tessitura poética de muitos versos, o poeta que se dedica também à leitura da literatura e de outras artes. Antropofágico, herdeiro de Oswald Andrade e do Tropicalismo, a língua do poeta devora tudo que o coração não diz para permitir que a poesia o diga.

 

Hilda Hilst, Portinari, Glauber Rocha, são signos que denotam o repertório de um leitor-espectador de várias linguagens e que não esconde essas influências. Porém sua poesia não é enciclopédica. As alusões promovem efeitos sonoros e imagéticos que contribuem para o desenvolvimento de uma estilística pessoal e funcional.

 

Jura secreta 13

 

quantas marés endoidecemos

e aramaico permaneço doido e lírico

em tudo mais que me negasse

flor de lótus flor de cactos flor de lírios

ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse

Hilda Hilst quando então se me amasse

ardendo em nós salgado mar e Olga risse

olhando em nós flechas de fogo se existisse

por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse

 

Artur Gomes é um dos poucos poetas que mantém viva a tradição da oralidade. Participa de vários encontros Brasil afora recitando seus versos como um trovador contemporâneo. Nota-se, na estrutura musical de sua poesia e nas imagens que cria, uma obra que se materializa por completo quando dita em voz alta. Mas mesmo no silêncio do quarto, da sala, da praia ou no barulho do carro, trem ou metrô; a poesia de Juras secretas oferece viagens estéticas aos que sabem que a poesia não está morta como andam pregando por aí.

 

Jura secreta 43

 

com os seus dentes de concreto

São Paulo é quem me devora

e selvagem devolvo a dentada

na carne da rua Aurora

 

Adriano Carlos Moura

Mestre em Cognição e Linguagem (Uenf).

Professor de Literatura do IFF –

Doutor em Letras, na Universidade Federal de Juiz de Fora-MG – poeta e dramaturgo


Juras Secretas 

feitiçarias de Artur Gomes - por Michèle Sato 

Difícil iniciar um prefácio para abordar feitiçarias de um grande mestre. A mágica aparição do texto transborda sentidos cósmicos, como se um feixe de luz penetrasse em um túnel escuro dando-lhe o sorver da vida. Diariamente, recebo um deserto imenso de poemas e a leitura se esvai com “batatinha quando nasce põe a mão no coração”. Um ou outro me chama a atenção, desde que sou do chamado “mundo das ciências” e leio poemas com coração, mas inevitavelmente aguçado pelo olhar crítico vindo do cérebro. 

A academia pode ser engessada, mas é, sobremaneira, exigente. Aplaude o inédito, reconhecendo que o poema é um caos antes de ser exteriorizado, mas harmônico, quando enfeitiçado. A leitura requer algo como canto do vento, que não seja fugaz, mas que acaricie no assopro da Terra. Por isso, é com satisfação que inicio este pequeno texto, sem nenhuma pretensão de esgotar o talento do grande mestre, mas responder aos poemas de Artur que brilham, soltam faíscas, incendeiam-se em erotismo e garras enigmáticas. Ele transcende regras, inventa palavras, enlouquece verbos. E as relações estabelecidas revelam a desordem dos sonhos na concretude harmônica de suas palavras. 

A aventura erótica não se despede de seu olhar político. Situado fenomenologicamente no mundo, e transverso nele, Artur profana o sagrado com suas invenções transgressoras. Reinventa a magia e decreta uma nova vida para que o mundo não seja habitado somente pelos imbecis. Dança no universo, com a palavra fluída, imprevistos pitorescos, mordidas e grunhidos. Reaparece no meio de um cacto espinhoso, mas é absurdamente capaz de ofertar a beleza da flor. Contemporâneo e primitivo se aliam, vencem os abismos como se ao comerem as palavras monótonas, pudessem renascer por meio da antropofagia infinita de barulhos e silêncios. O sangue coagulado jorra, as cavernas se dissolvem e é provável que poucos compreendam a beleza que daí se origina. 

Nos labirintos de suas palavras, resplandece o guerreiro devorador, embriagado, quase descendo ao seu próprio inferno. Emana seu fogo, na ardência de sexo e simultaneamente na carícia do amor. Pedras frias se aquecem, coram com o tom devasso que colore a mais bela das pornofonias. Marquês de Sade sente inveja por não ser o único déspota das palavras sensuais. E os poemas de Artur reflorescem, exalam odor como desejos secretos e risos que ecoam no infinito. 

não fosse essa alga queimando em tua coxa ou se fosse e já soubesse mar o nome do teu macho o amor em ti consumiria (jura secreta 5) 

De repente um cavalo selvagem cavalga na relva úmida, como se o orvalho da manhã pudesse revelar o fogo roubado das pinturas rupestres. Ao som de tambores, suas palavras se tornam arte em si, como se fossem desenhos projetados em um fantástico mundo vertiginoso. Seres encantados surgem das águas originários de sentimento, abraçadas nas pedras lisas, rugosas, esverdeadas da terra. O fogo dança em vulcões e a metamorfose é percebida em seus ares. Os elementos se definem como bestas, humanos, ou segmentos da natureza como uma orquestra sinfônica que vai além da sonoridade. Adentram sentidos polissêmicos e, neste momento, até o André Breton percebe o significado das palavras de Artur, pois a beleza é convulsiva e crava no peito feito cicatriz. 

e o que não soubesse do que foi escrito está cravado em nós como cicatriz no corte (jura secreta 10) 

Da violação do limite, do fruto proibido ou da linguagem erótica, os poemas de Artur são orgasmos literários que oscilam entre o sacro e o profano. Sua cultura, visão de mundo e inteligência possibilitam ir além da pura emoção sentimental, evocando a liberdade para que a terra asfixiada grite pela esperança. Artur comunga com outros seres a solidariedade da Terra, ainda que por vezes, seja devastador em denunciar disparidades, mas é habilidoso em anunciar acalentos. A palavra poética desfruta fronteiras, e Roland Barthes diria que a história de Artur é o seu tributo apaixonado que ele presta ao mundo para com ele se conciliar. Em sua linguagem explosiva, provavelmente está a intensidade de sua paixão - um amor perverso o suficiente para viciar em suas palavras, mas delicado o bastante para dar gênese ao mundo enfeitiçado pela habilidade de sua linguagem. 

A essência deste perfume parece estar refletida num espelho, pois se as linguagens podem incluir também o silêncio, as palavras de Artur soam como uma melodia. Projetada numa tela, a pintura erótica torna-se sublime e para além de escrevê-las, ele vive suas linguagens. Esta talvez seja a diferença de Artur com tantos outros poetas: a sua capacidade de transcender a tradição medíocre para viver um intenso de mistério de sua poética. Ele não duvida de suas palavras, nem as censura para não quebrar seu encanto, mas devora em seu ser na imaginação e no poder de sua criação. Criador e criatura se misturam, zombam da vida, gargalham da obviedade. Põem-se em movimento na dança estrelas que iluminam a palavra. 

Os fragmentos poéticos são misteriosos de propósito, uma cortina mal fechada assinala que o palco pode ser visto, porém não em sua totalidade. Disso resulta a sedução para que ele continue escrevendo, numa manifestação enigmática do poder surrealista em nos alertar sobre nossas incompletudes fenomenológicas. O imperfeito é o sentido da fascinação, diria Barthes em seus fragmentos de um discurso amoroso. E a poética de Artur não representa ressurreição, nem logro, senão nossos desejos. O prazer do texto pode revelar o prazer do autor, mas não necessariamente do leitor. Mas Artur lança-se nesta dialética do desejo, permitindo um jogo sensual que o espaço seja dado e que a oportunidade do prazer seja saciada como se fosse um "kama sutra poético" para além do prazer corporal. Esta duplicidade semiológica pode ser compreendida como subversiva da gramática engessada - o que, em realidade, torna seus textos mais brilhantes. Não pela destruição da erudição, mas pela abertura da fenda, para que a fruição da linguagem seja bandeira cultural da liberdade. 

E a sua liberdade projeta-se num horizonte onde a dimensão sócio-ambiental é freqüentemente presente. É uma poesia universal de representações urbanas e rurais, de flora, fauna e fontes de praças públicas. Desacralizando o “normal previsível”, borda em sua costura de mosaicos, esquinas e passaredos. 

eu sei de gente e de bichos ambos atolados no lixo tem gente que come bicho tem bicho que come gente tem gente que vive no lixo tem lixo que mora no bicho gente que sabe que é bicho e bicho que pensa ser gente (jura secreta 28) 

A poética das Juras Secretas opõem-se a instância pretérita numa espiral de presente com futuro. Metafisicamente, desliga-se do momento agonizante e os olhos do poeta não se cansam, ainda que a paisagem queira cansá-los. Seu toque lembra o neoconcretismo, por vezes, cuja aparição na semana da arte moderna mexeu com os mais tradicionais versos da literatura ordinária. Mas sua temporalidade vence Chronos, na denúncia de um calendário tirano ao anúncio de Kairós, também senhor do tempo, mas que media pelos ritmos do coração. 

20 horas 20 noites 20 anos 20 dias até quando esperaria... até quando alguém percebesse que mesmo matando o amor o amor não morreria. (jura secreta 51) 

É óbvio que a materialidade da linguagem, sua prosódia e seu léxico se mantêm no texto. Mas foge das estruturas engessadas do arrombo repetitivo, florescendo em neologismos verossímeis e ritmos cardíacos. Amiúde, são palavras jorradas em potente cultura significante. No chão dialogante, este poeta desestabiliza a normalidade com suas criações. 

por que te amo e amor não tem pele nome ou sobrenome não adianta chamar que ele não vem quando se quer porque tem seus próprios códigos e segredos mas não tenha medo pode sangrar pode doer e ferir fundo mas é razão de estar no mundo nem que seja por segundo por um beijo mesmo breve por que te amo no sol no sal no mar na neve. (jura secreta 34) 

ARTUR GOMES é, para mim, um grande relato de seu próprio devir, que sabe poetizar a partir de seu vivido. E por isso, enfeitiça. 

 

Michèle Sato – Bióloga, pesquisadora na Universaidade Federal do Mato Grosso do Sul.


 Jura Secreta 


não fosse essa jura secreta 
mesmo se fosse e eu não falasse 
com esse punhal de prata 
o sal sob o teu vestido 
o sangue no fluxo sagrado 
sem nenhum segredo 

esse relógio apontado pra lua 
não fosse essa jura secreta 
mesmo se fosse eu não dissesse 
essa ostra no mar das tuas pernas 
como um conto do Marquês de Sade 
no silêncio logo depois do susto 

 


a língua escava entre os dentes 
a palavra nova 
fulinaimânica/sagarínica 
algumas vezes muito prosa 
outras vezes muito cínica 

tudo o que quero conhecer: 
a pele do teu nome 
a segunda pele o sobrenome 
no que posso no que quero 

a pele em flor a flor da pele 
a palavra dandi em corpo nua 
a língua em fogo a língua crua 
a língua nova a língua lua 

fulinaímica/sagaranagem 
palavra texto palavra imagem 
quando no céu da tua boca 
a língua viva se transmuta na viagem 

 


não fosse esse punhal de prata 
mesmo se fosse e eu não quisesse 
o sangue sob o teu vestido 
o sal no fluxo sagrado 
sem qualquer segredo 

esse rio das ostras 
entre tuas pernas 
o beijo no instante trágico 
a língua sem que ninguém soubesse 
no silêncio como susto mágico 
e esse relógio sádico 
como um Marquês de Sade 
quando é primavera 

 


fosse essa jura sagrada 
como uma boda de sangue 
às 5 horas da tarde 
a cara triste da morte 
faca de dois gumes 
naquela nova granada 
e Federico Garcia Lorca 
naquela noite de Espanha 
não escrevesse mais nada 

 


a menina dos meus olhos 
com os nervos à flor da pele 
brinca de bem-me-quer 
ela inda pensa que é menina 
mas já é quase uma mulher 


 


não fosse essa alga 
queimando em tua coxa 
ou se fosse e já soubesse 
mar o nome do teu macho 
o amor em ti consumiria 

Olga Savary 
no sumidouro dos meus dias 

o couro cru 
na antropofágica erótica 
carne viva 
tua paixão em mim 
voraz língua nativa 

 


o que passou não ficará já foi 
a menina dos meus olhos 
roubou a tua menina 
e levou para festa do boi 

fosse um Salgado Maranhão 
nosso batismo de fogo 
25 de março 
e o morro querosene  em chamas 
no canto pro tempo nascer 

e o amor que a gente faria 
o sol acabou de fazer 

 

 


fosse Sampa uma cidade 
ou se não fosse não importa 

essa cidade me transporta 
me transborda me alucina 

me invade inter/fere na retina 
com sua cruel beleza 

como Oswald de Andrade 
e sua realidade 

como Mário de Andrade 
e sua delicadeza 

 

Jura Secreta 8

artefato (poema sujo)

 

numa cidade abstrata

sem sentido ou significado

matadouro é arte concreta

veracidade é pecado

pago com pena de morte

 

esta máquina de escrever

fotografada em Itaguara

como um poema de Lorca

escrito em Nova Granada

cravado em Araraquara

 

você não sabe onde está

você não sabe onde  é

você não sabe de quem foi

este punhal na metáfora

que sangra a carne do boi


Jura secreta 9 

não fosse o teu amor 
o meu conforto 
e eu teu anjo torto 
meu amor como seria 

se a jura secreta 
não fosse mais que um poema 
e se eu não te amasse 
como Glauber no cinema 

o que tenho aqui 
no corpo em transe

:

a quem daria? 



fosse o que eu quisesse 
apenas um beijo roubado em tua boca 
dentro do poema nada cabe 
nem o que sei nem o que não se sabe 

e o que não soubesse 
do que foi escrito 
está cravado em nós 
como cicatriz no corte 
entre uma palavra e outra 
           do que não dissesse 


Jura secreta 11

 engenho 484 

para jiddu saldanha 

arrancar do gesto 
a palavra chave 
da palavra a imagem xis 
tudo por um risco 
tudo por um triz 

o trem bala (cospe esqueletos 
no depósito da Central) 
fuzil pode ser nosso brinquedo: 
novo enredo para o próximo carnaval


Jura  secreta 12

Sargaço em tua boca espuma

 

em Armação de Búzios

 tenho um amor sagrado

guardado como jura secreta

que ainda não fiz para Laís

 

em teus cabelos girassóis de estrelas

que de tanto vê-las o meu olho  vela

e o que tanto diz  onda do mar  não leva

da areia da praia onde grafei teu nome

para matar a sede e muito mais a fome

 

entranhada  na carne como flor de Lótus

grudada na pele como tatuagem

flutuando ao vento como leve pluma

no salgado corpo do além mar afora

 

sargaço em tua boca espuma

onde moram  peixes  - na cumplicidade

do que escrevo agora



o tecido do amor já esgarçamos 
em quantos outubros nos gozamos 
agora que palavro Itaocaras 
e persigo outras ilhas 
na carne crua do teu corpo 
amanheço alfabeto grafitemas 

quantas marés endoidecemos 
e aramaico permaneço doido e lírico 
em tudo mais que me negasse 
flor de lótus flor de cactos flor de lírios 
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse 
Hilda Hilst quando então se me amasse 

ardendo em nós salgado mar e Olga risse 
pulsando em nós flechas de fogo se existisse 
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse 


Jura secreta 14 

 

eu te desejo flores lírios brancos 
margaridas girassóis rosas vermelhas 
e tudo quanto pétala 
asas estrelas borboletas 
alecrim bem-me-quer e alfazema 

eu te desejo emblema 
deste poema desvairado 
com teu cheiro teu perfume 
teu sabor teu suor tua doçura 

e na mais santa loucura 
declarar-te amor até os ossos 

eu te desejo e posso : 
palavrArte até a morte 
enquanto a vida nos procura 


Jura secreta 15

leminskiAna 

o estado pode ser de choque 
ou quem sabe até de surto 
o soco pode ser no estômago 

a facada pra  ferir o fígado 
o bandido me assaltar na via 
o sangue explodir na veia 
a vodka só me dar azia 

todo instante que vier eu curto 
a palavra que pintar eu furto 
tudo o que eu faço é poesia. 


 para may pasquetti 

fosse esta menina Monalisa 

ou se não fosse apenas brisa 
diante da menina dos meus olhos 
com esse mar azul nos olhos teus 

não sei se MichelÂngelo 
Da Vinci Dalí ou Portinari

 te anteviram 
no instante maior da criação 

pintura de um arquiteto grego 
quem sabe até filha de Zeus 

e eu Narciso amante dos espelhos 
procuro um espelho em minha face 
para ver se os teus olhos 
já estão dentro dos meus 


Jura secreta 17 

meu objeto concreto 
é um poema abstrato 

impressionista realista 
quem sabe neo concretista 
poderoso artefato 

uma bomba de Hiroshima 
uma rosa parafina 
ou quem sabe uma menina 

que conheci só no retrato  


Jura secreta 18

 

te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo

os peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
as rendas finas  que vestias
sobre os teus pêlos ficção

 

todos os laços dos tecidos
aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
o batom da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes

 

e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa 



 Jura secreta 19 


quero dizer que ainda arde 
tua manhã em minha tarde 
a tua noite no meu dia 
tudo em nós que já foi feito 
com prazer ainda faria 

quero dizer que ainda é cedo 
ainda tenho um samba/enredo 
tudo em nós é carnaval 
é só vestir a fantasia 

quero ser teu mestre sala 
e você porta/bandeira 
quando chegar na quarta feira 
a gente inventa outra fulia


Jura secreta 20 

não fosse o amor

essa faca de dois gumes 
e o tempo que chove na janela 
entre os meus e os olhos dela 
alguma face no espelho

e o sangue escorrendo pelas veias 
atiçando unhas e músculos 

não fosse uma lâmina acesa 
entre os corredores do corpo 
quando a carne é brasa

e as paredes dessa casa 
não separassem mais nada 

quando os pulsos saltam das portas 
para os porões do mais íntimo 
não fosse essa lâmpada esse cálice 
esse líquido pela boca tenso 
quando entro pelo teu quarto 
com tudo aquilo  que penso 


Jura secreta 21 

Ana quando a vida não for sacana 
a gente engendra a Sagarana 
e inventra a SagaraNAgem 

não te preocupes Luisa 
com o elo dessa engrenagem 
com a direção do vento norte 

ou se vem do sul esta brisa 
se embaixo em tua camisa 
palpitam dois  seios fortes

que minhas mãos roçam em cheio 
nas cenas que  escrevi

e transcrevi  por e-mails 

 

os sonhos que prometeu 
mas que agora não são teus 
eles ficaram por aqui

Jura secreta 22 

entre/dentes3

olhei para cara do tempo 
ela estava fechada

não me dizia nada 

pensei as SagaraNAgens 
que o tempo fazia comigo 

peguei do tempo o umbigo 
cortei na ponta da faca 
e a tua cara de vaca 
sangrei sem nenhum remorso 
porque isso o tempo não tem 

agora o tempo sorri 
me mostra os dentes da boca 
e a tua cara de louca 

é a minha cara também 

Jura secreta 23 

a lavra da pa/lavra quero

a lavra da palavra quero 
quando for pluma 
mesmo sendo espora 

felicidade uma palavra 
onde a lavra explora 
se é saudade dói mas não demora 
e sendo fauna linda como a Flora 
lua Luanda vem não vá embora 

se for poema fogo do desejo 
quando for beijo que seja como agora 

a lavra da palavra quero 
seja pele pluma

onde Mayara bruma 
já me diz espero 

saliva na palavra espuma 
onde tua lavra é uma 
elétrica pulsação de Eros 

a dança do teu corpo vero 
onde tu alma luna 
e o meu corpo empluma 
valsa por Laguna em beijos e boleros 

 

Jura secreta 24 

Cezane não pintava flores 
montado em seu cavalo alado 
despeja cores 
no corpo da mulher amada 

com os pincéis 
encravados entre as coxas 
transformou Hollandas 
em quintais de vento 

reINventou o tempo 
      na hora de pintar
 


Jura secreta 25 

Mar de Búzios

vasa sob meus pés um Rio das Ostras 
as minhas mãos em conchas 
passeiam o mangue dos teus seios 
e provocam o fluxo do teu sangue 

os caranguejos olham admirados 
a volúpia dos teus cios 
quando me entregas o que traz 
por entre as praias 
e permites desatar 
todos os nós do teu umbigo 

transbordando mar de búzios 
oceanos - Atlântico pulsar entre dois corpos 
que se descobrem peixes - 
e mergulham profundezas 

qualquer que seja a hora 
em que se beijam num pontal 
em comunhão total com a natureza 


Jura secreta 26 

eu sou Drummundo 
e me confundo na matéria amorosa 
posso estar na fina flor da juventude 
ou atitude de uma rima primorosa 

e até na pele/pedra

 quando me invoco 
e me desbundo baratino 
e então provoco

um barafundo Cabralino 

e meto letra no meu verso 
estando prosa 
e vou pro fundo 
do mais fundo 
o mais profundo 
mineral Guimarães Rosa 


Jura secreta 27

 rio em pele feminina 

o rio com seus mistérios 
molha meu cio em silêncio 

desejo o que nos separa 
a boca em quantos minutos 

as flores soltas na fala 
o pó dos ossos dos anos 

você me diz não ter pressa 
seus olhos fogo na sala 

o beijo um lance de dados 
cuidado cuidado cuidado 

que sou um anjo de fadas 
não beije assim meus segredos 

meus olhos faróis nos riachos 
meus braços dois afluentes 
pedaços do corpo do rio 
meus seios ilhas caladas 
das chamas não conhece o pavio


se você me traz para o cio 
assim que o sexo aflora 
esta palavra apavora 

o beijo dado mais cedo 
quebra meu ser no espelho 

meu cerne é carne de vidro 
na profissão dos enredos 
quanto mais água me sinto 
presa ao lençol dos seus dedos 

o rio retrata meu centro 
na solidão de mim mesma 
segundo a segundo nas águas 

lá onde o sol é vazante 
lá onde a lua é enchente 
lá onde o rio é estrada 

onde coloca seus versos 
me encontro peixe e mais nada 


Jura secreta 28 

eu sei de gente e de bichos

ambos atolados no lixo


 tem gente que come bicho

 tem bicho que come gente


tem gente que vive no lixo

 tem lixo que mora no bicho


 gente que sabe que é bicho

e bicho que pensa ser gente



Jura secreta 29

 esfinge 

o amor 
não é apenas um nome 
que anda por sobre a pele 
um dia falo letra por letra 
no outro calo fome por fome 
é que a pele do teu nome 
consome a flor da minha pele 

cravado espinho na chaga 
como marca cicatriz 
eu sou ator ela esfinge: 
Clarice/Beatriz: 

assim vivemos cantando 
fingindo que somos decentes 
para esconder o sagrado 
em nossos profanos segredos 
se um dia falta coragem 
a noite sobra do medo 

é que na sombra da tatuagem 
sinal enfim permanente 
ficou pregando uma peça 
em nosso passado presente 

o nome tem seus mistérios que 
se escondem sob panos 
o sol é claro quando não chove 
o sal é bom quando de leve 
para adoçar desenganos 
na língua na boca na neve 

o mar que vai e vem não tem volta 
o amor é a coisa mais torta 
que mora lá dentro de mim 
teu céu da boca é a porta 
onde o poema não tem fim 


Jura secreta 30

afora em mim grafitemas 
nenhuma figuralidade 
frutas legumes verduras 

quem cala a fala consente 
houve um tempo que a dita/dura 
calou a fala da gente 

grafito em tua carne de pedra 
medusa de sete patas 
poema de sete cabeças 

miragens do amor que enlouqueça 
apóstolos na santa ceia 
Miró brincando de circo 
com os olhos na lua cheia 


Jura Secreta 31 

de Dante a Chico Buarque 
todos os poetas 
já cantaram suas musas 

Beatriz são muitas 
Beatriz são quantas 
Beatriz são todas 
Beatriz são tantas 

algumas delas na certa 
também já foram cantadas 
por este poeta insano e torto 
pra lhes trazer o desconforto 
do amor quando bandido 

Beatriz são nomes 
mas este de quem vos falo 
não revelo o sobrenome 

está no filme sagrado 
na pele do acetato 
na memória do retrato 
Beatriz no último ato 
da Divina Comédia Humana 
quando deita em minha cama 
e come do fruto proibido 


Jura Secreta 32 

fosse apenas o que já foi dito 
escrito falado pensado 
não fosse tudo o que já foi maldito 
e nada do que nunca foi sagrado 

falo em tua boca enquanto em transe 
um anjo me ilumina tanto 
que mesmo mudo em tua língua canto 

como um diabo que subindo aos céus 
tentou muito mais de uma vez 
quem sabe Gregório ou quem sabe Castro 
descendo aos infernos como sempre fez 

talvez Camões no corpo de um astro 
me lance a infinita chama da pornô Gráfica lucidez 

 

Jura Secreta 33

sampleAndo 

o poema pode ser

um beijo em tua boca 
carne de maçã em maio 
um tiro oculto sob o céu aberto 
estrelas de néon em Vênus 
refletindo pregos no meu peito em cruz 

na Paulista Consolação 
na Água Branca Barra Funda 
metal de prata desta lua que me inunda 
num beijo sujo com uma Estação da Luz 

nos vídeos.filmes de TV 
eu quero um clipe nos teus seios quentes 
uma cilada em tuas coxas japa 
como uma flecha em tuas costas índia 
ninja gueixa eu quero a rota teu país ou mapa 

teu território devastar inteiro 
como uma vela ao mar de fevereiro 
molhar teu cio e me esquecer na Lapa 


Jura secreta 34 

por que te amo 
e amor não tem pele

nome ou sobrenome 

não adianta chamar 
que ele não vem quando se quer 
porque tem seus próprios códigos

e segredos 

mas não tenha medo 
pode sangrar pode doer 
e ferir fundo 
mas é razão de estar no mundo 

nem que seja por segundo 
por um beijo mesmo breve 
por que te amo 
no sol no sal no mar na neve 


Jura Secreta 35

 pontal.foto.grafia 

Aqui, 
redes em pânico pescam 
esqueletos no mar 
- esquadras - descobrimento 
espinhas de peixe convento - 
cabrálias esperas relento - 
escamas secas no prato 
e um cheiro podre no 
AR 

caranguejos explodem

mangues em pólvora 
Ovo de Colombo quebrado 
areia branca inferno livre 
Rimbaud - África virgem 
carne na cruz dos escombros 
trapos balançam varais 
telhados bóiam nas ondas 
tijolos afundando náufragos 
último suspiro da bomba 
na boca incerta da barra 
esgoto fétido do mundo 
grafando lentes na marra 
imagens daqui saqueadas 

Jerusalém pagã visitada 
- Atafona.Pontal.Grussaí - 
as crianças são testemunhas: 
Jesus Cristo não passou por aqui 


Miles Davis fisgou na agulha 
Oscar no foco de palha 
cobra de vidro sangue na fagulha 
carne de peixe maracangalha 
que mar eu bebo na telha 
que a minha língua não tralha? 

penúltima dose de pólvora 
palmeira subindo a maralha 
punhal trincheira na trilha 
cortando o pano a navalha 

- fatal daqui Pernambuco 
Atafona.Pontal. Grussaí - 
as crianças são testemunhas : 
Mallarmé passou por aqui. 

bebo teu fato em fogo 
punhal na ova do bar 
palhoças ao sol fevereiro 
aluga-se teu brejo no mar 
o preço nem Deus nem sabre 
sementes de bagre no porto 
a porca no sujo quintal 
plástico de lixo nos mangues 
que mar eu bebo afinal? 


Jura Secreta 36

cardio.grafia da pele

que esta palavra bendita 
nãos seja dor quando mal dita 
como espinha quando aflora 
ou espora enquanto irrita 

minha cardio.grafia em suma 
não é pena nem pluma 
apenas palavra que resuma 
o silêncio como agora 
ou sonora enquanto grita


 Jura Secreta 37


devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob o esterco de Vênus 
onde me perco mais me encontro menos 

de tudo o que não sei 
só fere mais quem menos sabe 
sabre de mim baioneta estética 
cortando os versos do teu descalabro 

visto uma vaca triste como a tua cara 
estrela cão gatilho morro: 
a poesia é o salto de um vara 

disse-me uma vez só quem não me disse 
ferve o olho do tigre enquanto plasma 
letal a veia no líquido do além 
cavalo máquina meu coração quando engatilho


devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob os demônios de Eros 
onde minto mais porque não veros 

fisto uma festa mais que tua vera 
cadela pão meu filho forro: 
a poesia é o auto de uma fera 

devemos não ter pressa 
a lâmina acesa sob os panos quem incesta ? 
perfume o odor final do melodrama 

sobras de mim papel e resma 
impressão letal dos meus dedos imprensados 
misto uma merda amais que tua garra 
panela estrada grão socorro: 
a poesia é o fausto de uma farra 

 

Jura Secreta 38

travessia

de Almada vou de atravessar o Tejo 
barco à vela Portugal afora 
em Lisboa vou compor um fado 
e cantar no Porto feito um blues 
rasgado de amor pela senhora 
que me espera em paz 

e todo vinho que eu beber agora 
será como beijo que eu guardei inteiro 
como um marinheiro que retorna ao cais

 

Jura secreta 39

 transPiração ANTROPO / fágica 

por onde quer que eu te cantasse 
devorasse amasse ou comesse 
não bastaria o poema

por onde então começasse 
Jura Secreta que fosse 
palavra indiscreta escrevesse 

meus dentes em teu corpo deixasse 
a língua onde quer que lambesse 

não bastariam meus dedos em riste 
lavrando a carne onde berras 
se queimas no inferno de Dante 

e não sabes ver que o amante 
é o SER transPirado da Terra 


              Jura Secreta 40 

moro no teu mato dentro 
não gosto de estar por fora 
tudo que me pintar eu invento 
como o beijo no teu corpo agora 

desejo-te pelo menos enquanto resta 
partícula mínima micro solar floresta 
sendo animal da Mata Atlântica 
quântico amor ou meta física 
tudo o que em mim não há respostas 

metáfora D´alquimim fugaz Brazílica 
beijo-te a carne que te cobre os ossos 
pele por pele sobre tuas costas 

os bichos amam em comunhão na mata 
como se fosse aquela hora exata 
em que despes de mim o ser humano 
do corpo rasgamos todo pano 
e como um deus pagão pensamos sexo. 


Jura Secreta 41

 Goytacá Boy 
musicado e cantado por Naiman 
no CD fulinaíma sax blues poesia

2002  

ando por São Paulo meio Araraquara 
a pele índia do meu corpo 
concha de sangue em tua veia 
sangrada ao sol na carne clara 

juntei meu goytacá teu guarani 
tupy or not tupy 
não foi a língua que ouvi 
em tua boca caiçara 

para falar para lamber para lembrar 
da sua língua arco íris litoral 
como colar de uiara 
é que eu choro como a chuva curuminha 
mineral da mais profunda 
lágrima que mãe chorara 

para roçar para provar para tocar 
na sua pele urucum de carne e osso 
a minha língua tara 
sonha cumer do teu almoço 
e ainda como um doido curuminha 
a lamber o chão que restou da Guanabara


Jura Secreta 42



xangô é parte da pedra 
exu fagulha de ferro 
ogum espada de aço 
faz do meu colo teus braços 

oxossi é carne da mata 
yansã é fogo vento tempestade 

yemanjá água do mar 
oxum é água doce 
oxalá em ti me trouxe 

te canto como se fosse u 
m novo deus em liberdade 



sou teu leão de fogo 
todo jogo que me propor eu topo 
beber teu copo comer da tua comida 

encarar de frente 
a janela de entrada 

e se for preciso a porta de saída


       Jura Secreta 43

              veraCidade 

por quê trancar as portas 
tentar proibir as entradas 
se já habito os teus cinco sentidos 
e as janelas estão escancaradas ? 

um beija flor risca no espaço 
algumas letras de um alfabeto grego 
signo de comunicação indecifrável 
eu tenho fome de terra 
e esse asfalto sob a sola dos meus pés 
agulha nos meus dedos 

quando piso na Augusta 
o poema dá um tapa na cara da Paulista 
flutuar na zona do perigo 
entre o real e o imaginário 
João Guimarães Rosa

Caio Prado

Martins Fontes 
um bacanal de ruas tortas

eu não sou flor que se cheire 
nem mofo de língua morta 
o correto deixei na Cacomanga 
matagal onde nasci 

com os seus dentes de concreto 
São Paulo é quem me devora 
e selvagem devolvo a dentada 
na carne da rua Aurora 


Jura Secreta 44

 
eu sou o outro que habita 
dentro do meu outro eu 
não a casca da cápsula 
da carcaça aqui de fora 

o que se vê no espelho 

é só miragem

 - Narciso mergulhado 
à própria sombra -

 

o cavalo 
na folhagem esse sim 
é o que se vê na tela 

quando a câmera revela 
o concreto da outra pessoa 
que não sou 


 

   Jura Secreta 45 

fulinaimagem

1


por enquanto 
vou te amar assim em segredo 
como se o sagrado fosse 
o maior dos pecados originais 

e minha língua fosse 
só furor dos Canibais 

e essa lua mansa fosse faca 
a afiar os versos que inda não fiz 
e as brigas de amor que nunca quis 

mesmo quando o projeto 
aponta outra direção embaixo do nariz 
e é mais concreto 
que a argamassa do abstrato 

por enquanto vou te amar assim 
admirando teu retrato 
enquanto penso minha idade 
e o que trago da cidade 
embaixo as solas dos sapatos 

2

o que trago 
embaixo as solas dos sapatos é fato 
bagana acesa 
sobra  do cigarro é sarro 

dentro do carro

ainda ouço Jimmi Hendrix 
quando quero 
dancei bolero

 sampleAndo rock and roll 

prá colher lírios 
há que se por o pé na lama 
a seda pura foto-síntese do papel 

tem Flor de Lótus nos bordéis Copacabana 
procuro um mix da guitarra de Santanna 
com os espinhos da Rosa de Noel 

 

Jura Secreta 46 

bolero blue 

beber desse conhac em tua boca 
para matar a febre

 nas entranhas entre/dentes 

indecente é uma forma que te como 
bebo ou calo 
e se não falo quando quero 
na balada ou no bolero 
não é por falta de desejo 

é que a fome desse beijo 
furta outra qualquer palavra presa 
como caça indefesa 
dentro da carne que não sai 

 

 Jura Secreta 47 


a face oculta da maçã 
duas partes que se abrem pêssego 

campo de girassóis teus pelos 
alvoroçados sob o sol de Amsterdã 

enquanto isso 
em teus mamilos penso 
o que ainda não comi desta maçã

 

Jura Secreta 48 

sagarínica  fulinaimânica 

não sou iluminista nem pretender 
eu quero o cravo e a rosa 
cumer o verso e a prosa 
devorar a lírica a métrica 
a carne da musa 
seja branca negra amarela 
vermelha verde ou cafuza 

eu sou do mato 
curupira carrapato 
sou da febre sou dos ossos 
sou da Lira do Delírio 
São Virgílio é o meu sócio 

Pernambuco Amaralina 
vida breve ou sempre vida/severina 
sendo mulher ou só menina 
que sendo santa prostituta 
ou cafetina devorar é minha sina 
e profanar é o meu negócio 



Jura Secreta 49

para Márcio Vaccari 

te procurei na Ipiranga 
não te encontrei na Tiradentes 
nas tuas tralhas tuas trilhas 
nos trilhos tortos do Braz 
fotografei os destroços 
na íris do satanás 

a cara triste da Mooca 
a vaca morta no trem 
beleza no caos: urbana 
beleza é isso também 

meu bem ainda mora distante 
deste bordel carNAvalho 
a droga a erva o bagulho 
Tietê um tonto espantalho 

 

  

Jura Secreta 50

entri / dentes 

queimando em Mar de Fogo me Registro 
lá no fundo do teu íntimo 
bem no branco do meu nervo 
brota uma onde de sal e líquido 
procurando a porta do teu cais 

teu nome já estava cravado nos meus dentes 
desde quando Sísifo olhava no espelho 
primeiro como Mar de Fogo 
registro vivo das primeiras Eras 

segundo como Flor de Lótus 
cravado na pele da flor primavera 
logo depois gravidez e parto 
permitindo o Logus 
quando o amor quisera 


 

Jura Secreta 51 

fosse quântico esse dia 
calmo claro intenso inteiro 
20 de fevereiro 
sendo assim esperaria 

mesmo que em meio a tarde 
TROVOADAS tempestades 
insanidades guerras frias 
iniqüidade 
angústia 
agonia 
mesmo assim esperaria 

20 horas 
20 noites 
20 anos 
20 dias 

até quando esperaria? 
até que alguém percebesse 
que mesmo matando o amor 
o amor não morreria


Jura Secreta 52


Suassuna no teu corpo 
couro de cor Compadecida 
Ariano sábio e louco 
inaugura em mim a vida 

Pedra do Reino no riacho 
gumes de atalhos na pedreira 
menina dos brincos de pérola 
pétala na mola do moinho 
palavra acesa na fogueira 

pós os ismos tudo e pós 
na pele ou nas aranhas 
na carne ou nos lençóis 
no palco ou no cinema 

a palavra que procuro 
é clara quando não é gema 
até furar os meus olhos 
com alguma cascata de luz 

devassa em mim quando transcende 
lamparina que acende 
e transforma em mel 
o que antes era pus 

 

Jura Secreta 53

sagaraNAgens fulinaímicas 

guima 
meu mestre 
guima 
em mil perdões eu vos peço 
por esta obra encarnada 
na carne cabra da peste 
da Hygia Ferreira bem casta 
aqui nas bandas do leste 
a fome de carne é madrasta 

ave palavra profana 
cabala que vos fazia 
veredas em mais Sagaranas 
a Morte em Vidas/Severinas 
tal qual antropofagia 
teu grande Sertão vou cumer 

nem João Cabral Severino 
nem Virgulino de matraca 
nem meu padrinho de pia 
me ensinou usar faca 
ou da palavra o fazer 

a ferramenta que afino 
roubei do mestre Drummundo 
que o diabo GiraMundo 
é o Narciso do meu Ser 

 

                   Jura Secreta 54

 

nossas palavras escorrem
pelo escorrer dos anos
estradas virtuais
fossem algaravias
nosso desejo que não se concreta

eu tenho a fome entre os dedos
a sede entre os dentes
e a língua sobre a escrita
que ainda não fizemos

e o que brota desse amor latente
se o desejo é tua boca
no lençol dos dias?


Jura Secreta 55

 

 

essa estrada que vai dar
no mar dos teus mistérios
ou
essa estrada que vai dar
no mar dos teus silêncios
ou
apenas o caminho para o mar
na coluna vertebral
dos teus suplícios
ou
o poema puro ofício
de te oferecer amor, meu vício
e te querer estrada.  

                                         sim



     Jura secreta 56

ainda que fosse viagem
de metrô ou fantasia
e o assunto que eu mais queria
fosse o que não dissesse

e o mar apenas trouxesse
gaivotas sobre os cabelos
vento sol maresia
e o líquido que não bebemos
fosse conhac ou cerveja

mesmo assim a vida seja
entre o que os pelos lateja
o que a tua boca não fala
o que a tua língua não prova
e a prova das dezessete
te levasse mais cedo

inda assim não tenha medo
a palavra entre meus dedos
é o que ainda não disse
miragem essa coisa nova
agora revisitada
naquela hora marcada
de tudo o que não fizemos


Jura secreta 57

meta metáfora no poema meta

como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico prumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste

como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em prumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece


Jura secreta 58

a carne que me cobre é fraca
a língua que me fala é faca
o olho que me olha vaca
alfa me querendo beta

juro que não sou poeta
a ninfa que me ímã
quando arquiteta

o salto da abelha
quando mel em flor
e pulsa pulsa pulsa pulsa
na matéria negra cor
quando a pele que veste é nada
éter pluma seda em pelo

quando custa estar em Arcozelo
desatar a lã dos fios do novelo
em pleno  sol de Amsterdã

desvendar Hollanda
nos mistérios da palavra
por entre o nó  dos cotovelos? 


 

Jura secreta 59

a coisa que me habita é pólvora
dinamite em ponto de explosão
o país em que habito é nunca
me verás rendido a normas
ou leis que me impeçam a fala
a rua onde trafego é amplo
atalho para o submundo 
do escavado  fosso

o poço

onde mergulho é fundo
vai da pele que me cobre a carne

ao nervo mais íntimo do osso

                 Jura secreta 60

 

qualquer palavra eu invento

na carnadura dos ossos

na escriDura do éter

na concretude do vento

na engrenagem da sílaba

vocabulário onde posso

dar nome próprio ao veneno

que tem o Agro Negócio


Jura Secreta 61

pele grafia

 

meus lábios em teus ouvidos

flechas netuno cupido

a faca na língua a língua na faca

a febre em patas de vaca

as unhas sujas de Lorca

cebola pré sal com pimenta

tempero sabre de fogo

na tua língua com coentro

qualquer paixão re/invento

 

o corpo/mar quando agita

na preamar arrebenta

espuma esperma semeia

sementes letra por letra

na bruma branca da areia

sem pensar qualquer sentido

grafito em teu corpo despido

poemas na lua cheia



Juras secreta 62

  

tenho estado

entre o fio e a navalha

perigosamente – no limite

pulando a cerca da fronteira

entre o teu estado de sítio

e o meu estado de surto

 

só curto a palavra viva

odeio uma língua morta

 

poema que presta é linguagem

pratico a SagaraNAgem

na esquina  da rua torta

 

Jura secreta 63

 


não sei se escrevo tanto
não sei se escrevo tenso
um fio elétrico suspenso

com tanta coisa no Ar
não sei se olho em teu olho
pra encontrar a entrada
da porta da tua casa
onde a palavra estiver
não sei se pinto um Van Gog

ou se escrevo um Baudelaire 

  

Jura secreta 64

para Celso Borges e Lília Diniz


faz escuro mas eu canto

Thiago de Mello


eu sou quem morre e não deita

Salgado Maranhão


pros meus afins está difícil

por isso esse novo canto

se o dia não amanhecer



Querubins e SerAfins

o que será de Parintins

Bumba-Meu-Boi

o que será ? 

 

Maranhão meu São Luiz

o que será de Imperatriz

do povo/boi o que será

do povo/boi o que vai ser? 


Jura secreta 65

esse teu olho que me olha
azul safira
ou mesmo verde

esmeralda fosse
pedra - pétala rara
carne da matéria doce
ou mesmo apenas fosse
esse teu olho que me molha
quando me entregas do mar
toda alga que me trouxe


Jura secreta 66

 

era para ser assim como se foice

no papel de seda era língua e sangue

unhas muitos dedos dentes

nos teus céus de boca

 

era para ser assim como se fosse

meus olhos no cinema

nos teus olhos presos

e o destino do poema teus lábios indefesos


Jura secreta 67

 

aqui
os ponteiros
mordem os músculos 
do relógio
com seus profanos dentes
onde não tem amanhã
nem ontem
só presente


Jura secreta 68

 

disseram-me certa vez 
que essa escrita que voz falo
é um prato indigesto
osso duro de roer
carne ruim de comer
juro mesmo não presto
:
Federico Baudelaire

koringa boi/pintadinho
muito além do couro cru
muito além da carNAvalha
muito além da mesa posta

tenho mais de 25 mil cartas sem perguntas
e
mais de 25 mil perguntas sem respostas
minha língua é do barbalho

nas cartas do meu baralho
eu sei que você não aposta

  

Jura secreta 69

VeraCidade 2

  

há muito tempo

 não morro mais aqui
minha cidade é desbotada 
há muito perdeu o brilho
na minha voracidade o sol é claro
e a arte que preparo 
é o tiro que disparo
é a arma que engatilho

 

 

 Jura Secreta 70

lady gumes african´s baby

  

meto meus dedos cínicos

no teu corpo em fossa

proclamando o eu ainda possa

 

vir a ser surpresa

porque meu amor não tem essa

de cumer na mesa

é caçador e caça mastigando na floresta

todo tesão que resta desta pátria indefesa

 

ponho meus dedos cínicos

sobre tuas costas

vou lambendo  bostas

destas botas neo burguesas

porque meu amor não tem essa

de vir a ser surpresa

  

é língua suja e grossa

visceral ilesa

pra lamber tudo que possa

vomitar na mesa

e me livrar da míngua

desta língua portuguesa


Jura secreta 71

 

o movimento dos barcos
dia desses ainda me leva
mar a dentro 
o sal no centro de gravidade
que se move ainda em mim
quando enlouqueço
o endereço do sentido
ainda não tenho
e ando prenho de saudade
do Pontal que um dia foi


Jura secreta 72

Clarice dorme em minhas mãos
a carne trêmula depois do beijo
na maçã que hoje comemos
agora sonha  tudo aquilo
que Baudelaire lhe prometeu

quando amanhece 
os olhos dela quanto dia
que o dia de ontem não comeu


Jura secreta 73

 

dois mil e dois
em Porto Alegre era dezembro
num quarto de hotel
entre lençóis de branco linho
teus pelos girassóis em desalinho

 

a pele rosada como pêssego
a língua eu bebia como vinho

o leite que suguei de teus mamilos
o gosto agora sangue em minha boca
e
o incêndio que apaguei em tuas coxas
agora queima em minha mãos no pergaminho


Jura secreta 74

Guarapari Antropofágica


come. come meus pés descalços

e os vestígios de Anchieta

por onde estiver ainda

 

come. come todos os passos

e vomita os restos na Ampulheta

porque o tempo tarda mas não finda


 

Jura secreta 75

 

é abissal

o cheiro de esperma e susto

não fosse o ópio

nem cem anos de solidão

provocaria tal efeito

o peito estraçalhado

por dentes enigmáticos

Monalisa sangra na Elegia do agora

cada Deusa tem seu Templo

cada mulher tem sua hora


Jura secreta 76

black Billy

gravado no CD Fulinaínma Sax Blues Poesia - 2002


ela tinha um jeito gal – fatal vapor barato

toda vez que me trepava as unhas com um gato

cantar era seu dom

chegava a dominar a voz feito cigarra

cigana ébria vomitando doses do seu canto


uma vez só subiu ao palco

estrela no hotel das prateleiras

companheira de ratos na pele de insetos

praticando a luz incerta no auge do apogeu

 

a morte

não é muito mais que um plug elétrico

um grito de guitarra – uma centelha

logo assim que ela começa

algo se espelha

na carne inicial de quem morreu


Jura secreta 77

jazz free som balaio

Para Moacy Cirne

gravada no CD fulinaíma sax blues poesia - 2002


ouvidos negros Miles trumpete nos tímpanos

era uma criança forte como uma bola de gude

era uma criança mole como uma gosma de grude

tanto faz quem tanto não me fez

era uma ant/Versão de blues

nalguma nigth noite uma só vez


ouvidos black rumo premeditando o breque

sampa midinigth ou aVersão de Brooklin

não pense aliterações em doses múltiplas

pense sinfonia em rimas raras

assim quando desperta do massificado

ouvidos vais ficando dançarina cara

ao Ter-te Arte nobre minha musa Odara


ao toque dos tambores ecos sub/urbanos

elétricos negróides urbanóides gente

galáxias relances luzes sumos prato

delícias de iguarias que algum Deus consente

aos gênios dos infernos que ardem gemem Arte

misturas de comboios das tribos mais distantes

de múltiplas metades juntas numa parte


 

Jura secreta 78

a paciência explode

na cara do presidente

arranca-lhe os dentes

e o mandato

a vida é um teatro

no picadeiro do planalto

no circo dos indigentes


 

Jura secreta 79

 

um ser de luz

música feminina

invade a minha íris retina

no dia 11 de agosto

despencava a tarde

por entre folhas  e fios

de eletricidade

hoje me chega na noite

e me traz um céu

bordado de ternura

e eternidade

 

                       Jura secreta 80

 

as orquídeas ainda são azuis

girassóis relâmpagos na chuva

na surpresa dentro a tempestade

dessa manhã que finda

 

pimenta tua boca em chamas

incendeia meus lençóis profana

essa linguagem como arco-íris

como  fosse pulsação que arde

nas entranhas dessa luz de fogo

nos meus dentes mastigando a tarde


Jura secreta 81

 

rasguei as velas

que teci em tempestades

rompi as noites

em alto mar de maresias

 

pensei teu corpo

pra amenizar tanta  saudade

e vi teus olhos em cada vela que tecia



 Jura secreta 82

 

perguntei ao Herbert

como vão as coisas

pelas bandas das Minas

não as Gerais

mas as que moram no Cais

da lapa ou do porto

as que fazem direito ou torto

as que tem as costas

em linhas curvas

e atravessam o arco-íris

das formas que nem sei

as que tem um  belo horizonte

pelas bandas de  São João Del Rey

 

 Jura secreta 83

 

mordi a carne da maçã

na língua o gosto era o batom

que ela usa nos mamilos

a carne da fruta é vermelha

branca é a minha Vênus de Milos

 

grafita pela pele pelos poros

como plumas

nas linhas dos lençóis de linho

transpira o amor em desalinho

rasgando toda blusa de lã

da minha musa de Vênus

quando transborda nossa cama de manhã

 

 Jura secreta 84

 

diante o mar

o que pensar

a não ser o infinito

o grito das baleias

o silêncio dos peixes

a nossa fome disseminada

em cada um deles

os corais os abissais os ancestrais

os minerais os barcos atracados no cais

e o quanto somos finitos

 

diante o mar

o que pensar

a não ser como ela mexe comigo

aqui agora beliscando meu umbigo

em qualquer lugar que eu esteja

com esse copo de cerveja


diante o mar

o que pensar

a não ser os pés na areia

e quem sabe uma seria

me leve a mergulhar


Jura secreta 85

 

enquanto você espera

Jesus voltar

- *com a boca escancarada

cheia de dentes

esperando a morte chegar

 

os políticos te enrabam

até o caroço

dos pés do cu  ao pescoço

 

sem ninguém pra te salvar!

 

* Raul Seixas - em Ouro de Tolo


Jura secreta 86

 

os olhos dessa felina

me arranham como unhas

como faca de dois gumes

que todo poema tem

São Sebastião do Sacramento

profana hóstia no altar

sagrada carne de minas

que comi para pecar


Juras secreta 87

 

imprimo no poema multifaces

na coisa do significado oculto

do desejo onde o beijo não basta

a paixão arrasta a língua

para o poço mais profundo

cheirando as flores do mal

de um Charles Baudelaire

no mais escondido fosso

desse  corpo que se quer



Jura secreta 88   

 

em

São Sebastião do Sacramento

suas coxas em movimento

me lembram peixes sagrados

no mar que minas não tem

 

mãos por teus montes claros

provocam marés - atropelos

passeio de língua entre pelos

em outras partes também

lábios de mel abissal

peixe espada noutro mar - Prometeus

desejos despindo teus seios

teus dentes cravados nos meus

 

a lua por sobre a capela

a luz em tua alma - donzela

Afrodite  - uma  caça indefesa

presa - em minhas unhas de Zeus



 Jura secreta 89

 

não sou um anjo certo

estou sempre anjo torto

 

mas se fizer de mim

anjo da guarda

 

te guardarei a sete chaves

no armário do meu corpo


 

Jura secreta 90

 

do portal desta estação

ouço a voz do teu silêncio

o amor com seus olhos castanhos

passou no trem pra Leningrado

e o nosso encontro marcado

ficou para depois da estação Porto Viejo

onde a droga do desejo

é um veneno pra nós dois.

 

Jura secreta 91

 

cara velas ao vento

toda barra em movimento

e o morro do juramento

corre em busca da farinha

que Cabral já descobriu

 

e um Rio violento

na pedra do Redentor

chora a morte da vizinha

chora a barbárie e o terror

 

e o marco do monumento

metralhadora e fuzil

pra garantir o movimento

só o prefeito é quem não viu

que esta cidade para olímpica

é uma ponte que caiu



                    Jura secreta 92

 

me encanta mais teus olhos

que o plano piloto de Brasilha
o palácio do planalto o alvorada
me encanta mais as mãos da namorada
que a bandeira do Brazil
o céu de anil a Tropicalha

quero muito mais a CarNAvalha
do que a palavra açucarada
quero a palavra sal do suor da carne bruta
Flor de Lótus  Cio da Fruta
mesmo quando for somente espinhos
me encanta os pés que a lata chuta
por entender que a vida é luta
para abrir novos caminhos

me encanta mais na lama o lírio
a flor do Lascio
os olhos da minha filha
que o ouro dessas quadrilhas
que habitam esses Palácios


Jura secreta 93

 

beber da  tua língua

líquido na maresia

suor no mar dessa  linguagem

e tudo mais beberia

no teu corpo em desalinho

em luas  de tempestades

em lençóis de calmaria

palavras em tua boca

levaram-me ao descaminho

amarraste-me em tua cama

 com  tuas garras de linho

depois que me embriagaste

com tuas garras de vinho

 

Jura secreta 94

 

nem  todo poema curto

nem todo endereço acerto

a meta do poeta é o alvo

o alvo do poeta é a meta

a flecha estendida no arco

o arco estendido na seta

eu quero teus olhos de vidro

não poema em linha reta

 

nem toda cidade prova

nem todo poema povo

a clara da gema nova

pode estar  dentro do ovo

o biscoito fino pra massa

o Dia D sem trapaça

acende a fornalha  na praça

a massa do biscoito fino 


                      Jura secreta 95

 

como se fosse infinita estrada

provocando descaminhos

desafiando caminhadas

 

Clarice diante do espelho

no mar do precipício

transparece o corpo em algazarra

 

a farra do vestido ao vento

mastigando meus instintos

na carne da noite a dentro

 

Jura Secreta 96

 

só me queira assim caçado

mestiço vadio latino

leão feroz cão danado

perturbando o teu destino

 

só me queira enfeitiçado

veloz macio felino

em pelo nu depravado

em tua cama sol à pino

 

só me queira encapetado

profanando aqueles hinos

malandro moleque safado

depravando os teus meninos

 

só me queria desalmado

cão algoz e assassino

duplamente descarado

quando escrevo e não assino

 

Jura secreta 97 


mesmo se fosses

andorinha gavião ou  colibri

beija-flor singrando os ares

meu amor meu bem-te-vi 


Jura Secreta 98

 

Dandara tão clara

quanto rara

jura secreta

que desabrocha

em flor de lótus

 flor de lascio

 flor de lírios

 flor de cactos

 flor/espinho

 depois do amor

pedra trans/tornada

flor no meio do caminho

 

Jura Secreta 99

 

dentro do quarto

o poema tenso

não entra nem sai

o estômago ronca

as tripas gritam de fome

e o poema preso

tenta dar um salto

pular pelas janelas

o impulso é fraco

o país é pobre

enquanto o povo dorme

a rosa se esfacela

e os restos de bandeja

são vendidos por migalhas

 

Jura secreta 100

memorial dos ossos

 

espora essa palavra amolada

dessas que cortam a carne

no primeiro toque

espora em meu sentido rock

não um mero truque

no pulsar da língua

que a tua pele lambe

quando saliva aflora

espora em meu cavalo branco

o simbolismo aceso

todo dia é dia de São Jorge

Jorge Luis Borges

num plural latino

escavar a terra em busca da palavra

quando nervo implora

espora temporal dos músculos

memorial dos ossos nesse tempo bruto

tudo quanto posso



 


SINOPSE:  A poesia de Artur flui feito pluma ao vento, “a lavra da palavra quero seja pele pluma onde Mayara bruma já me diz espero, saliva na palavra espuma onde tua lavra é uma elétrica pulsação de Eros”. No entanto, a despeito da leva da linguagem que segue o ritmo interno da inspiração do poeta, camufla em partes, em outras escancara, o caráter ardente da poesia que chama por Eros.  Repleta de paixão e de fogo, as imagens de amantes, as analogias do sexo desprendem deste clamor contido no peito de Artur, mas que, pelo fazer das letras desenvolve-se na liberação dos desejos mais sensuais, “essa ostra no mar das tuas pernas”, ou mesmo quando o poeta compara a procura pela  palavra com o escavar libidinoso que os amantes fazem um pelo corpo do outro, “tudo o que quero conhecer a pele do teu nome / a segunda pele o sobrenome / no que posso no que quero”. Embora, por ser poesia, as palavras sejam como “flor”, esta metáfora, esta alegoria bela e perfumada exala da queimada ardente da linguagem, feito mulher prenhe de libido, “a pele em flor a flor da pele / a palavra dândi em corpo nua / a língua em fogo a língua crua / a língua nova a língua lua”. Esta poesia tão luxuriosa incendeia o solo urbano, tanto quanto a natureza, falando da monotonia urbana de São Paulo, que alucina a sobriedade do poeta com sua beleza cruel, cidade no qual o “matadouro” é a arte concreta. Mas feito pluma ao vento a poesia de Artur enxerga o fogo da paixão, da convicção voando também para longe da violência e tribulação urbana, pairando sobre a mágica enamorada das praias, do vento, das sombras, da natureza, local onde residem os aspectos matrimoniais da união homem-mulher, “qualquer que seja a hora em que se beijam num pontal em comunhão total com a natureza”. As juras do poeta ardente profanam o sagrado, quando em sua retórica e discurso extrapolam a rigidez das formas, mas, em ousadia apelam para as rezas e para o caráter inviolável das promessas com uma “violência antropofágica erótica”.

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