ainda que fosse só saudade ou essa jura secreta não fosse mais nada mesmo assim nessa madrugada pensei o quanto ainda queria e não fizemos a poesia ficou inacabada esperando outras palavras dentro do quarto antes que o sol pudesse romper a virgindade de portas e janelas para um novo dia
Juras secretas em alta voltagem
Por Krishnamurti Góes dos Anjos
Poeta maldito é
termo utilizado para referir poetas que constroem uma obra “rebelde” mesmo
em face do que é aceito pela sociedade, considerada como meio alienante e que
aprisiona os indivíduos nas suas normas e regras. Rejeitam explicitamente
regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se também, geralmente, com a recusa
em pertencer a qualquer ideologia instituída.
A desobediência,
enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das
características dos poetas malditos. Filiam-se a essa tradição nomes (com as
variantes óbvias de estilo e época) como os de Gregório de Mattos, Augusto dos
Anjos, Paulo Leminski, Álvares de Azevedo, Jorge Mautner, Waly Salomão dentre
outros, sem falar no trio mais conhecido mundialmente da “parafernália” poética:
Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.
O ator, produtor,
videomaker e agitador cultural que é Artur Gomes acaba de
lançar “Juras secretas”, reunião de 100 poemas a maior parte deles
sobejando a temática do amor visto na perspectiva de paixão avassaladora. Mas
há também, aqui e ali a presença, sempre em perspectiva ousada e radical, de
poemas que vão do doce e suave sentido do amor, ao cruel, do libidinoso, à
poesia de cunho social sempre expressando indignação, desobediência e
transgressão. Com efeito o homem é uma metralhadora giratória a espalhar e
espelhar aquilo, que nos vai por dentro e que guardamos em “segredo” de
estado. Com a palavra o poeta:
Jura
de número 34
porque te amo / e
amor não tem pele / nome ou sobrenome / não adianta chamar / que ele não vem /
quando se quer / porque tem seus próprios códigos / e segredos/mas não tenha medo
/ pode sangrar pode doer / e ferir fundo / mas é a razão de estar no mundo /
nem que seja por segundo / por um beijo mesmo breve / por que te amo / no sol
no sal no mar na neve
Jura
63
não sei se escrevo
tanto / não sei se escrevo tenso / um fio elétrico suspenso / com tanta coisa
no Ar / não sei se olho em teu olho / para encontrar a entrada / da porta da
tua casa / onde a palavra estiver / não sei se pinto um Van Gogh / ou escrevo
um Baudelaire
Jura
69
há muito tempo /
não morro mais aqui / minha cidade é desbotada / há muito perdeu o brilho / na
minha voracidade o sol é claro / e a arte que preparo / é o tiro que disparo /
é a arma que engatilho.
Jura
70
meto meus dedos
cínicos / no teu corpo em fossa / proclamando o que ainda possa / vir a ser surpresa
/ porque meu amor não tem essa / de cumer na mesa / é caçador e caça mastigando
na floresta / todo tesão que resta desta desta pátria indefesa / ponho meus
dedos cínicos / sobre tuas costas / vou lambendo bostas / destas botas neo
burguesas / porque meu amor não tem essa / de vir a ser surpresa / é língua
suja e grossa / visceral ilesa / pra lamber tudo que possa / vomitar na mesa /
e me livrar da míngua / desta língua portuguesa.
Com efeito, forçoso
concordar com Tanussi Cardoso, em Posfácio ao livro, que a poesia de Artur
Gomes é “uma poesia do livre desejo e do desejo livre. Nela, não
há espaço para o silêncio: é berro, uivo, canto e dor. Pulsão. Textura de vida.
Uma poesia que arde (em) seu rio de palavras”.
por Adriano Moura
“Só uma palavra me
devora / Aquela que meu coração não diz”.
Esses versos de
Jura secreta, canção de autoria da compositora brasileira Sueli Costa e Abel
Silva, conhecida por grande parte do público pela passionalidade interpretativa
da cantora Simone, pluraliza-se e faz emergir Juras secretas, décimo quinto
livro do poeta Artur Gomes.
Não que haja
intertextualidade explícita entre a canção e os poemas do livro, mas denota o
intertexto como uma das principais marcas do poeta, recurso presente em seus
livros anteriores.
Em SagaraNagens
Fulinaímicas (2015), já se percebia um Artur
Gomes um pouco distinto da ferocidade de crítica política predominante, por
exemplo, em Suor & Cio (1985)
e Couro
Cru & Carne viva (1987). Em
Juras secretas, o poeta assume de vez sua faceta lírica, e é essa que pontua as
cem “juras” que preenchem o miolo do livro.
Jura secreta 45
por enquanto
vou te amar assim
em segredo
como se o sagrado
fosse
o maior dos
pecados originais
e minha língua
fosse
só furor dos
canibais
E é com furor
canibalesco que se nota, na tessitura poética de muitos versos, o poeta que se
dedica também à leitura da literatura e de outras artes. Antropofágico,
herdeiro de Oswald Andrade e do Tropicalismo, a língua do poeta devora tudo que
o coração não diz para permitir que a poesia o diga.
Hilda Hilst,
Portinari, Glauber Rocha, são signos que denotam o repertório de um
leitor-espectador de várias linguagens e que não esconde essas influências.
Porém sua poesia não é enciclopédica. As alusões promovem efeitos sonoros e
imagéticos que contribuem para o desenvolvimento de uma estilística pessoal e
funcional.
Jura secreta 13
quantas marés
endoidecemos
e aramaico
permaneço doido e lírico
em tudo mais que
me negasse
flor de lótus flor
de cactos flor de lírios
ou mesmo sexo
sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando
então se me amasse
ardendo em nós
salgado mar e Olga risse
olhando em nós
flechas de fogo se existisse
por onde quer que
eu te cantasse ou Amavisse
Artur Gomes é um dos poucos poetas que
mantém viva a tradição da oralidade. Participa de vários encontros Brasil afora
recitando seus versos como um trovador contemporâneo. Nota-se, na estrutura
musical de sua poesia e nas imagens que cria, uma obra que se materializa por
completo quando dita em voz alta. Mas mesmo no silêncio do quarto, da sala, da
praia ou no barulho do carro, trem ou metrô; a poesia de Juras secretas oferece
viagens estéticas aos que sabem que a poesia não está morta como andam pregando
por aí.
Jura secreta 43
com os seus dentes
de concreto
São Paulo é quem
me devora
e selvagem devolvo
a dentada
na carne da rua
Aurora
Adriano Carlos Moura
Mestre em Cognição
e Linguagem (Uenf).
Professor de
Literatura do IFF –
Doutor em Letras,
na Universidade Federal de Juiz de Fora-MG – poeta e dramaturgo
Michèle Sato – Bióloga, pesquisadora na Universaidade Federal do Mato Grosso do Sul.
não fosse essa jura secreta
mesmo se fosse eu não dissesse
essa ostra no mar das tuas pernas
como um conto do Marquês de Sade
a palavra nova
fulinaimânica/sagarínica
algumas vezes muito prosa
outras vezes muito cínica
tudo o que quero conhecer:
a pele do teu nome
a segunda pele o sobrenome
no que posso no que quero
a pele em flor a flor da pele
a palavra dandi em corpo nua
a língua em fogo a língua crua
a língua nova a língua lua
fulinaímica/sagaranagem
palavra texto palavra imagem
quando no céu da tua boca
mesmo se fosse e eu não quisesse
o sangue sob o teu vestido
o sal no fluxo sagrado
sem qualquer segredo
esse rio das ostras
entre tuas pernas
o beijo no instante trágico
a língua sem que ninguém soubesse
no silêncio como susto mágico
e esse relógio sádico
como um Marquês de Sade
nosso batismo de fogo
25 de março
e o morro querosene em chamas
no canto pro tempo nascer
e o amor que a gente faria
e sua realidade
Jura Secreta 8
artefato (poema sujo)
numa cidade abstrata
sem sentido ou significado
matadouro é arte concreta
veracidade é pecado
pago com pena de morte
esta máquina de escrever
fotografada em Itaguara
como um poema de Lorca
escrito em Nova Granada
cravado em Araraquara
você não sabe onde está
você não sabe onde é
você não sabe de quem foi
este punhal na metáfora
que sangra a carne do boi
:
a quem daria?
do que foi escrito
está cravado em nós
como cicatriz no corte
entre uma palavra e outra
no depósito da Central)
fuzil pode ser nosso brinquedo:
Jura secreta 12
Sargaço em tua boca
espuma
em Armação de Búzios
tenho um amor sagrado
guardado como jura secreta
que ainda não fiz para Laís
em teus cabelos girassóis de estrelas
que de tanto vê-las o meu olho
vela
e o que tanto diz onda do mar
não leva
da areia da praia onde grafei teu
nome
para matar a sede e muito mais a fome
entranhada na carne como flor
de Lótus
grudada na pele como tatuagem
flutuando ao vento como leve pluma
no salgado corpo do além mar afora
sargaço em tua boca espuma
onde moram peixes - na cumplicidade
do que escrevo agora
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga risse
pulsando em nós flechas de fogo se existisse
deste poema desvairado
com teu cheiro teu perfume
teu sabor teu suor tua doçura
e na mais santa loucura
declarar-te amor até os ossos
eu te desejo e posso :
palavrArte até a morte
Jura secreta 15
ou quem sabe até de surto
o soco pode ser no estômago
a palavra que pintar eu furto
procuro um espelho em minha face
para ver se os teus olhos
Jura secreta 17
que conheci só no retrato
Jura secreta 18
Jura secreta 19
ainda tenho um samba/enredo
tudo em nós é carnaval
é só vestir a fantasia
quero ser teu mestre sala
e você porta/bandeira
quando chegar na quarta feira
entre os corredores do corpo
para os porões do mais íntimo
não fosse essa lâmpada esse cálice
esse líquido pela boca tenso
quando entro pelo teu quarto
e transcrevi por e-mails
me mostra os dentes da boca
é a minha cara também
Jura
secreta 23
a lavra da pa/lavra quero
a lavra da palavra quero
quando for pluma
mesmo sendo espora
felicidade uma palavra
onde a lavra explora
se é saudade dói mas não demora
e sendo fauna linda como a Flora
lua Luanda vem não vá embora
se for poema fogo do desejo
quando for beijo que seja como agora
a lavra da palavra quero
seja pele pluma
onde Mayara bruma
já me diz espero
saliva na palavra espuma
onde tua lavra é uma
elétrica pulsação de Eros
a dança do teu corpo vero
onde tu alma luna
e o meu corpo empluma
valsa por Laguna em beijos e boleros
Jura
secreta 24
Cezane não pintava flores
montado em seu cavalo alado
despeja cores
no corpo da mulher amada
com os pincéis
encravados entre as coxas
transformou Hollandas
em quintais de vento
reINventou o tempo
na hora de pintar
Jura
secreta 25
Mar de Búzios
vasa sob meus pés um Rio das Ostras
as minhas mãos em conchas
passeiam o mangue dos teus seios
e provocam o fluxo do teu sangue
os caranguejos olham admirados
a volúpia dos teus cios
quando me entregas o que traz
por entre as praias
e permites desatar
todos os nós do teu umbigo
transbordando mar de búzios
oceanos - Atlântico pulsar entre dois
corpos
que se descobrem peixes -
e mergulham profundezas
qualquer que seja a hora
em que se beijam num pontal
em comunhão total com a natureza
Jura
secreta 26
eu sou Drummundo
e me confundo na matéria amorosa
posso estar na fina flor da juventude
ou atitude de uma rima primorosa
e até na pele/pedra
quando me invoco
e me desbundo baratino
e então provoco
um barafundo Cabralino
e meto letra no meu verso
estando prosa
e vou pro fundo
do mais fundo
o mais profundo
mineral Guimarães Rosa
Jura
secreta 27
rio
em pele feminina
o rio com seus mistérios
molha meu cio em silêncio
desejo o que nos separa
a boca em quantos minutos
as flores soltas na fala
o pó dos ossos dos anos
você me diz não ter pressa
seus olhos fogo na sala
o beijo um lance de dados
cuidado cuidado cuidado
que sou um anjo de fadas
não beije assim meus segredos
meus olhos faróis nos riachos
meus braços dois afluentes
pedaços do corpo do rio
meus seios ilhas caladas
das chamas não conhece o pavio
se você me traz para o cio
assim que o sexo aflora
esta palavra apavora
o beijo dado mais cedo
quebra meu ser no espelho
meu cerne é carne de vidro
na profissão dos enredos
quanto mais água me sinto
presa ao lençol dos seus dedos
o rio retrata meu centro
na solidão de mim mesma
segundo a segundo nas águas
lá onde o sol é vazante
lá onde a lua é enchente
lá onde o rio é estrada
onde coloca seus versos
me encontro peixe e mais nada
Jura secreta 28
eu sei de gente e de bichos
ambos atolados no lixo
tem gente que come bicho
tem bicho que come gente
tem gente que vive no lixo
tem lixo que mora no bicho
gente que sabe que é bicho
e bicho que pensa ser gente
Jura
secreta 29
esfinge
o amor
não é apenas um nome
que anda por sobre a pele
um dia falo letra por letra
no outro calo fome por fome
é que a pele do teu nome
consome a flor da minha pele
cravado espinho na chaga
como marca cicatriz
eu sou ator ela esfinge:
Clarice/Beatriz:
assim vivemos cantando
fingindo que somos decentes
para esconder o sagrado
em nossos profanos segredos
se um dia falta coragem
a noite sobra do medo
é que na sombra da tatuagem
sinal enfim permanente
ficou pregando uma peça
em nosso passado presente
o nome tem seus mistérios que
se escondem sob panos
o sol é claro quando não chove
o sal é bom quando de leve
para adoçar desenganos
na língua na boca na neve
o mar que vai e vem não tem volta
o amor é a coisa mais torta
que mora lá dentro de mim
teu céu da boca é a porta
onde o poema não tem fim
Jura
secreta 30
afora em mim grafitemas
nenhuma figuralidade
frutas legumes verduras
quem cala a fala consente
houve um tempo que a dita/dura
calou a fala da gente
grafito em tua carne de pedra
medusa de sete patas
poema de sete cabeças
miragens do amor que enlouqueça
apóstolos na santa ceia
Miró brincando de circo
com os olhos na lua cheia
Jura Secreta 31
de Dante a Chico Buarque
todos os poetas
já cantaram suas musas
Beatriz são muitas
Beatriz são quantas
Beatriz são todas
Beatriz são tantas
algumas delas na certa
também já foram cantadas
por este poeta insano e torto
pra lhes trazer o desconforto
do amor quando bandido
Beatriz são nomes
mas este de quem vos falo
não revelo o sobrenome
está no filme sagrado
na pele do acetato
na memória do retrato
Beatriz no último ato
da Divina Comédia Humana
quando deita em minha cama
e come do fruto proibido
Jura
Secreta 32
fosse apenas o que já foi dito
escrito falado pensado
não fosse tudo o que já foi maldito
e nada do que nunca foi sagrado
falo em tua boca enquanto em transe
um anjo me ilumina tanto
que mesmo mudo em tua língua canto
como um diabo que subindo aos céus
tentou muito mais de uma vez
quem sabe Gregório ou quem sabe Castro
descendo aos infernos como sempre fez
talvez Camões no corpo de um astro
me lance a infinita chama da pornô Gráfica
lucidez
Jura
Secreta 33
o poema pode ser
um beijo em tua boca
carne de maçã em maio
um tiro oculto sob o céu aberto
estrelas de néon em Vênus
refletindo pregos no meu peito em cruz
na Paulista Consolação
na Água Branca Barra Funda
metal de prata desta lua que me inunda
num beijo sujo com uma Estação da Luz
nos vídeos.filmes de TV
eu quero um clipe nos teus seios quentes
uma cilada em tuas coxas japa
como uma flecha em tuas costas índia
ninja gueixa eu quero a rota teu país ou
mapa
teu território devastar inteiro
como uma vela ao mar de fevereiro
molhar teu cio e me esquecer na Lapa
Jura
secreta 34
por que te amo
e amor não tem pele
nome ou sobrenome
não adianta chamar
que ele não vem quando se quer
porque tem seus próprios códigos
e segredos
mas não tenha medo
pode sangrar pode doer
e ferir fundo
mas é razão de estar no mundo
nem que seja por segundo
por um beijo mesmo breve
por que te amo
no sol no sal no mar na neve
Jura
Secreta 35
pontal.foto.grafia
Aqui,
redes em pânico pescam
esqueletos no mar
- esquadras - descobrimento
espinhas de peixe convento -
cabrálias esperas relento -
escamas secas no prato
e um cheiro podre no
AR
caranguejos explodem
mangues em pólvora
Ovo de Colombo quebrado
areia branca inferno livre
Rimbaud - África virgem
carne na cruz dos escombros
trapos balançam varais
telhados bóiam nas ondas
tijolos afundando náufragos
último suspiro da bomba
na boca incerta da barra
esgoto fétido do mundo
grafando lentes na marra
imagens daqui saqueadas
Jerusalém pagã visitada
- Atafona.Pontal.Grussaí -
as crianças são testemunhas:
Jesus Cristo não passou por aqui
Miles Davis fisgou na agulha
Oscar no foco de palha
cobra de vidro sangue na fagulha
carne de peixe maracangalha
que mar eu bebo na telha
que a minha língua não tralha?
penúltima dose de pólvora
palmeira subindo a maralha
punhal trincheira na trilha
cortando o pano a navalha
- fatal daqui Pernambuco
Atafona.Pontal. Grussaí -
as crianças são testemunhas :
Mallarmé passou por aqui.
bebo teu fato em fogo
punhal na ova do bar
palhoças ao sol fevereiro
aluga-se teu brejo no mar
o preço nem Deus nem sabre
sementes de bagre no porto
a porca no sujo quintal
plástico de lixo nos mangues
que mar eu bebo afinal?
Jura Secreta 36
cardio.grafia da pele
que esta palavra bendita
nãos seja dor quando mal dita
como espinha quando aflora
ou espora enquanto irrita
minha cardio.grafia em suma
não é pena nem pluma
apenas palavra que resuma
o silêncio como agora
ou sonora enquanto grita
Jura Secreta 37
devemos não ter pressa
a lâmina acesa sob o esterco de Vênus
onde me perco mais me encontro menos
de tudo o que não sei
só fere mais quem menos sabe
sabre de mim baioneta estética
cortando os versos do teu descalabro
visto uma vaca triste como a tua cara
estrela cão gatilho morro:
a poesia é o salto de um vara
disse-me uma vez só quem não me disse
ferve o olho do tigre enquanto plasma
letal a veia no líquido do além
cavalo máquina meu coração quando engatilho
devemos não ter pressa
a lâmina acesa sob os demônios de Eros
onde minto mais porque não veros
fisto uma festa mais que tua vera
cadela pão meu filho forro:
a poesia é o auto de uma fera
devemos não ter pressa
a lâmina acesa sob os panos quem incesta ?
perfume o odor final do melodrama
sobras de mim papel e resma
impressão letal dos meus dedos imprensados
misto uma merda amais que tua garra
panela estrada grão socorro:
a poesia é o fausto de uma farra
Jura Secreta 38
travessia
de Almada vou de atravessar o Tejo
barco à vela Portugal afora
em Lisboa vou compor um fado
e cantar no Porto feito um blues
rasgado de amor pela senhora
que me espera em paz
e todo vinho que eu beber agora
será como beijo que eu guardei inteiro
como um marinheiro que retorna ao cais
Jura
secreta 39
transPiração ANTROPO / fágica
por onde quer que eu te cantasse
devorasse amasse ou comesse
não bastaria o poema
por onde então começasse
Jura Secreta que fosse
palavra indiscreta escrevesse
meus dentes em teu corpo deixasse
a língua onde quer que lambesse
não bastariam meus dedos em riste
lavrando a carne onde berras
se queimas no inferno de Dante
e não sabes ver que o amante
é o SER transPirado da Terra
Jura Secreta 40
moro no teu mato dentro
não gosto de estar por fora
tudo que me pintar eu invento
como o beijo no teu corpo agora
desejo-te pelo menos enquanto resta
partícula mínima micro solar floresta
sendo animal da Mata Atlântica
quântico amor ou meta física
tudo o que em mim não há respostas
metáfora D´alquimim fugaz Brazílica
beijo-te a carne que te cobre os ossos
pele por pele sobre tuas costas
os bichos amam em comunhão na mata
como se fosse aquela hora exata
em que despes de mim o ser humano
do corpo rasgamos todo pano
e como um deus pagão pensamos sexo.
Jura
Secreta 41
Goytacá Boy
musicado e cantado por Naiman
no CD fulinaíma
sax blues poesia
2002
ando por São Paulo meio
Araraquara
a pele índia do meu corpo
concha de sangue em tua veia
sangrada ao sol na carne clara
juntei meu goytacá teu guarani
tupy or not tupy
não foi a língua que ouvi
em tua boca caiçara
para falar para lamber para lembrar
da sua língua arco íris litoral
como colar de uiara
é que eu choro como a chuva curuminha
mineral da mais profunda
lágrima que mãe chorara
para roçar para provar para tocar
na sua pele urucum de carne e osso
a minha língua tara
sonha cumer do teu almoço
e ainda como um doido curuminha
a lamber o chão que restou da Guanabara
Jura Secreta 42
1
xangô é parte da pedra
exu fagulha de ferro
ogum espada de aço
faz do meu colo teus braços
oxossi é carne da mata
yansã é fogo vento tempestade
yemanjá água do mar
oxum é água doce
oxalá em ti me trouxe
te canto como se fosse u
m novo deus em liberdade
2
sou teu leão de fogo
todo jogo que me propor eu topo
beber teu copo comer da tua comida
encarar de frente
a janela de entrada
e se for preciso a porta de saída
Jura
Secreta 43
veraCidade
por quê trancar as portas
tentar proibir as entradas
se já habito os teus cinco sentidos
e as janelas estão escancaradas ?
um beija flor risca no espaço
algumas letras de um alfabeto grego
signo de comunicação indecifrável
eu tenho fome de terra
e esse asfalto sob a sola dos meus pés
agulha nos meus dedos
quando piso na Augusta
o poema dá um tapa na cara da Paulista
flutuar na zona do perigo
entre o real e o imaginário
João Guimarães Rosa
Caio Prado
Martins Fontes
um bacanal de ruas tortas
eu não sou flor que se cheire
nem mofo de língua morta
o correto deixei na Cacomanga
matagal onde nasci
com os seus dentes de concreto
São Paulo é quem me devora
e selvagem devolvo a dentada
na carne da rua Aurora
Jura
Secreta 44
é só miragem
o concreto da outra pessoa
Jura Secreta 45
1
por enquanto
vou te amar assim em segredo
como se o sagrado fosse
o maior dos pecados originais
e minha língua fosse
só furor dos Canibais
e essa lua mansa fosse faca
a afiar os versos que inda não fiz
e as brigas de amor que nunca quis
mesmo quando o projeto
aponta outra direção embaixo do nariz
e é mais concreto
que a argamassa do abstrato
por enquanto vou te amar assim
admirando teu retrato
enquanto penso minha idade
e o que trago da cidade
embaixo as solas dos sapatos
2
o que trago
embaixo as solas dos sapatos é fato
bagana acesa
sobra do
cigarro é sarro
dentro do carro
ainda ouço Jimmi Hendrix
quando quero
dancei bolero
sampleAndo rock and roll
prá colher lírios
há que se por o pé na lama
a seda pura foto-síntese do papel
tem Flor de Lótus nos bordéis Copacabana
procuro um mix da guitarra de Santanna
com os espinhos da Rosa de Noel
Jura
Secreta 46
bolero
blue
beber desse conhac em tua boca
para matar a febre
nas entranhas entre/dentes
indecente é uma forma que te como
bebo ou calo
e se não falo quando quero
na balada ou no bolero
não é por falta de desejo
é que a fome desse beijo
furta outra qualquer palavra presa
como caça indefesa
dentro da carne que não sai
alvoroçados sob o sol de Amsterdã
enquanto isso
em teus mamilos penso
Jura
Secreta 48
sagarínica fulinaimânica
não sou iluminista nem pretender
eu quero o cravo e a rosa
cumer o verso e a prosa
devorar a lírica a métrica
a carne da musa
seja branca negra amarela
vermelha verde ou cafuza
eu sou do mato
curupira carrapato
sou da febre sou dos ossos
sou da Lira do Delírio
São Virgílio é o meu sócio
Pernambuco Amaralina
vida breve ou sempre vida/severina
sendo mulher ou só menina
que sendo santa prostituta
ou cafetina devorar é minha sina
e profanar é o meu negócio
Jura
Secreta 49
a vaca morta no trem
beleza no caos: urbana
beleza é isso também
meu bem ainda mora distante
deste bordel carNAvalho
a droga a erva o bagulho
Jura
Secreta 50
entri
/ dentes
queimando em Mar de Fogo me Registro
lá no fundo do teu íntimo
bem no branco do meu nervo
brota uma onde de sal e líquido
procurando a porta do teu cais
teu nome já estava cravado nos meus dentes
desde quando Sísifo olhava no espelho
primeiro como Mar de Fogo
registro vivo das primeiras Eras
segundo como Flor de Lótus
cravado na pele da flor primavera
logo depois gravidez e parto
permitindo o Logus
quando o amor quisera
Jura
Secreta 51
fosse quântico esse dia
calmo claro intenso inteiro
20 de fevereiro
sendo assim esperaria
mesmo que em meio a tarde
TROVOADAS tempestades
insanidades guerras frias
iniqüidade
angústia
agonia
mesmo assim esperaria
20 horas
20 noites
20 anos
20 dias
até quando esperaria?
até que alguém percebesse
que mesmo matando o amor
o amor não morreria
Jura
Secreta 52
couro de cor Compadecida
Ariano sábio e louco
inaugura em mim a vida
Pedra do Reino no riacho
gumes de atalhos na pedreira
menina dos brincos de pérola
pétala na mola do moinho
palavra acesa na fogueira
pós os ismos tudo e pós
na pele ou nas aranhas
na carne ou nos lençóis
no palco ou no cinema
a palavra que procuro
é clara quando não é gema
até furar os meus olhos
com alguma cascata de luz
devassa em mim quando transcende
lamparina que acende
e transforma em mel
Jura
Secreta 53
sagaraNAgens
fulinaímicas
guima
meu mestre
guima
em mil perdões eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste
da Hygia Ferreira bem casta
aqui nas bandas do leste
a fome de carne é madrasta
ave palavra profana
cabala que vos fazia
veredas em mais Sagaranas
a Morte em Vidas/Severinas
tal qual antropofagia
teu grande Sertão vou cumer
nem João Cabral Severino
nem Virgulino de matraca
nem meu padrinho de pia
me ensinou usar faca
ou da palavra o fazer
a ferramenta que afino
roubei do mestre Drummundo
que o diabo GiraMundo
é o Narciso do meu Ser
Jura
Secreta 54
nossas palavras escorrem
pelo escorrer dos anos
estradas virtuais
fossem algaravias
nosso desejo que não se concreta
eu tenho a fome entre os dedos
a sede entre os dentes
e a língua sobre a escrita
que ainda não fizemos
e o que brota desse amor latente
se o desejo é tua boca
no lençol dos dias?
Jura
Secreta 55
essa estrada que vai dar
no mar dos teus mistérios
ou
essa estrada que vai dar
no mar dos teus silêncios
ou
apenas o caminho para o mar
na coluna vertebral
dos teus suplícios
ou
o poema puro ofício
de te oferecer amor, meu vício
e te querer estrada.
sim
Jura secreta 56
ainda que fosse viagem
de metrô ou fantasia
e o assunto que eu mais queria
fosse o que não dissesse
e o mar apenas trouxesse
gaivotas sobre os cabelos
vento sol maresia
e o líquido que não bebemos
fosse conhac ou cerveja
mesmo assim a vida seja
entre o que os pelos lateja
o que a tua boca não fala
o que a tua língua não prova
e a prova das dezessete
te levasse mais cedo
inda assim não tenha medo
a palavra entre meus dedos
é o que ainda não disse
miragem essa coisa nova
agora revisitada
naquela hora marcada
de tudo o que não fizemos
Jura
secreta 57
meta
metáfora no poema meta
como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico prumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste
como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em prumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece
Jura
secreta 58
a carne que me cobre é fraca
a língua que me fala é faca
o olho que me olha vaca
alfa me querendo beta
juro que não sou poeta
a ninfa que me ímã
quando arquiteta
o salto da abelha
quando mel em flor
e pulsa pulsa pulsa pulsa
na matéria negra cor
quando a pele que veste é nada
éter pluma seda em pelo
quando custa estar em Arcozelo
desatar a lã dos fios do novelo
em pleno
sol de Amsterdã
desvendar Hollanda
nos mistérios da palavra
por entre o nó
dos cotovelos?
Jura
secreta 59
a coisa que me habita é pólvora
dinamite em ponto de explosão
o país em que habito é nunca
me verás rendido a normas
ou leis que me impeçam a fala
a rua onde trafego é amplo
atalho para o submundo do escavado fosso
o poço
onde mergulho é fundo
vai da pele que me cobre a carne
Jura
secreta 60
qualquer palavra
eu invento
na carnadura dos
ossos
na escriDura do
éter
na concretude do
vento
na engrenagem da
sílaba
vocabulário onde
posso
dar nome próprio
ao veneno
que tem o Agro
Negócio
Jura
Secreta 61
pele grafia
meus lábios em
teus ouvidos
flechas netuno
cupido
a faca na língua a
língua na faca
a febre em patas
de vaca
as unhas sujas de
Lorca
cebola pré sal com
pimenta
tempero sabre de
fogo
na tua língua com
coentro
qualquer paixão
re/invento
o corpo/mar quando
agita
na preamar
arrebenta
espuma esperma
semeia
sementes letra por
letra
na bruma branca da
areia
sem pensar
qualquer sentido
grafito em teu
corpo despido
poemas na lua
cheia
Juras
secreta 62
tenho estado
entre o fio e a
navalha
perigosamente – no
limite
pulando a cerca da
fronteira
entre o teu estado
de sítio
e o meu estado de
surto
só curto a palavra
viva
odeio uma língua
morta
poema que presta é
linguagem
pratico a
SagaraNAgem
na esquina da rua torta
Jura secreta 63
não sei se escrevo tanto
não sei se escrevo tenso
um fio elétrico suspenso
com tanta coisa no Ar
não sei se olho em teu olho
pra encontrar a entrada
da porta da tua casa
onde a palavra estiver
não sei se pinto um Van Gog
ou se escrevo um Baudelaire
Jura secreta 64
para Celso Borges e Lília Diniz
faz escuro mas eu
canto
Thiago de Mello
eu sou quem morre
e não deita
Salgado Maranhão
pros meus afins
está difícil
por isso esse novo
canto
se o dia não
amanhecer
Querubins e SerAfins
o que será de
Parintins
Bumba-Meu-Boi
Maranhão meu São Luiz
o que será de Imperatriz
do povo/boi o que será
Jura secreta
65
esse teu olho
que me olha
azul safira
ou mesmo verde
esmeralda
fosse
pedra - pétala rara
carne da matéria doce
ou mesmo apenas fosse
esse teu olho que me molha
quando me entregas do mar
toda alga que me trouxe
Jura secreta 66
era para ser assim
como se foice
no papel de seda
era língua e sangue
unhas muitos dedos
dentes
nos teus céus de
boca
era para ser assim
como se fosse
meus olhos no
cinema
nos teus olhos
presos
e o destino do
poema teus lábios indefesos
Jura secreta 67
aqui
os ponteiros
mordem os músculos
do relógio
com seus profanos dentes
onde não tem amanhã
nem ontem
só presente
Jura secreta 68
disseram-me
certa vez
que essa escrita que voz falo
é um prato indigesto
osso duro de roer
carne ruim de comer
juro mesmo não presto
:
Federico Baudelaire
koringa boi/pintadinho
muito além do couro cru
muito além da carNAvalha
muito além da mesa posta
tenho mais de
25 mil cartas sem perguntas
e
mais de 25 mil perguntas sem respostas
minha língua é do barbalho
e
nas cartas do meu baralho
eu sei que você não aposta
Jura secreta 69
VeraCidade 2
há muito tempo
não morro mais aqui
minha cidade é desbotada
há muito perdeu o brilho
na minha voracidade o sol é claro
e a arte que preparo
é o tiro que disparo
é a arma que engatilho
Jura Secreta 70
lady gumes african´s baby
meto meus dedos cínicos
no teu corpo em fossa
proclamando o eu ainda possa
vir a ser surpresa
porque meu amor não tem essa
de cumer na mesa
é caçador e caça mastigando na floresta
todo tesão que resta desta pátria indefesa
ponho meus dedos cínicos
sobre tuas costas
vou lambendo bostas
destas botas neo burguesas
porque meu amor não tem essa
de vir a ser surpresa
é língua suja e grossa
visceral ilesa
pra lamber tudo que possa
vomitar na mesa
e me livrar da míngua
desta língua portuguesa
Jura secreta 71
o movimento dos barcos
dia desses ainda me leva
mar a dentro
o sal no centro de gravidade
que se move ainda em mim
quando enlouqueço
o endereço do sentido
ainda não tenho
e ando prenho de saudade
do Pontal que um dia foi
Jura secreta
72
Clarice dorme em minhas mãos
a carne trêmula depois do beijo
na maçã que hoje comemos
agora sonha tudo aquilo
que Baudelaire lhe prometeu
quando amanhece
os olhos dela quanto dia
que o dia de ontem não comeu
Jura secreta 73
dois mil e
dois
em Porto Alegre era dezembro
num quarto de hotel
entre lençóis de branco linho
teus pelos girassóis em desalinho
a pele rosada
como pêssego
a língua eu bebia como vinho
o leite que
suguei de teus mamilos
o gosto agora sangue em minha boca
e
o incêndio que apaguei em tuas coxas
agora queima em minha mãos no pergaminho
Guarapari Antropofágica
come. come meus
pés descalços
e os vestígios de
Anchieta
por onde estiver
ainda
come. come todos
os passos
e vomita os restos
na Ampulheta
porque o tempo tarda mas não finda
Jura secreta
75
é abissal
o cheiro de
esperma e susto
não fosse o ópio
nem cem anos de
solidão
provocaria tal
efeito
o peito
estraçalhado
por dentes
enigmáticos
Monalisa sangra na
Elegia do agora
cada Deusa tem seu
Templo
cada mulher tem sua hora
Jura secreta 76
black Billy
gravado no CD Fulinaínma Sax Blues Poesia - 2002
ela tinha um jeito
gal – fatal vapor barato
toda vez que me
trepava as unhas com um gato
cantar era seu dom
chegava a dominar
a voz feito cigarra
cigana ébria vomitando doses do seu canto
uma vez só subiu
ao palco
estrela no hotel
das prateleiras
companheira de
ratos na pele de insetos
praticando a luz
incerta no auge do apogeu
a morte
não é muito mais
que um plug elétrico
um grito de
guitarra – uma centelha
logo assim que ela
começa
algo se espelha
na carne inicial
de quem morreu
Jura secreta 77
jazz free som balaio
Para Moacy Cirne
gravada no CD
fulinaíma sax blues poesia - 2002
ouvidos negros Miles trumpete nos tímpanos
era uma criança
forte como uma bola de gude
era uma criança
mole como uma gosma de grude
tanto faz quem
tanto não me fez
era uma ant/Versão
de blues
nalguma nigth
noite uma só vez
ouvidos black rumo
premeditando o breque
sampa midinigth ou
aVersão de Brooklin
não pense aliterações
em doses múltiplas
pense sinfonia em
rimas raras
assim quando
desperta do massificado
ouvidos vais
ficando dançarina cara
ao Ter-te Arte
nobre minha musa Odara
ao toque dos
tambores ecos sub/urbanos
elétricos
negróides urbanóides gente
galáxias relances
luzes sumos prato
delícias de
iguarias que algum Deus consente
aos gênios dos
infernos que ardem gemem Arte
misturas de
comboios das tribos mais distantes
de múltiplas
metades juntas numa parte
Jura secreta
78
a paciência
explode
na cara do
presidente
arranca-lhe os
dentes
e o mandato
a vida é um teatro
no picadeiro do
planalto
no circo dos
indigentes
Jura secreta 79
um ser de luz
música feminina
invade a minha íris retina
no dia 11 de agosto
despencava a tarde
por entre folhas e fios
de eletricidade
hoje me chega na noite
e me traz um céu
bordado de ternura
e eternidade
Jura secreta
80
as orquídeas
ainda são azuis
girassóis
relâmpagos na chuva
na surpresa
dentro a tempestade
dessa manhã que
finda
pimenta tua boca
em chamas
incendeia meus
lençóis profana
essa linguagem
como arco-íris
como fosse pulsação que arde
nas entranhas
dessa luz de fogo
nos meus dentes
mastigando a tarde
rasguei as velas
que teci em
tempestades
rompi as noites
em alto mar de
maresias
pensei teu corpo
pra amenizar
tanta saudade
e vi teus olhos
em cada vela que tecia
Jura secreta 82
perguntei ao
Herbert
como vão as coisas
pelas bandas das
Minas
não as Gerais
mas as que moram
no Cais
da lapa ou do
porto
as que fazem direito
ou torto
as que tem as
costas
em linhas curvas
e atravessam o
arco-íris
das formas que nem
sei
as que tem um belo horizonte
pelas bandas de São João Del Rey
Jura secreta 83
mordi a carne da maçã
na língua o gosto era o batom
que ela usa nos mamilos
a carne da fruta é vermelha
branca é a minha Vênus de
Milos
grafita pela pele pelos poros
como plumas
nas linhas dos lençóis de
linho
transpira o amor em desalinho
rasgando toda blusa de lã
da minha musa de Vênus
quando transborda nossa cama
de manhã
Jura secreta 84
diante o mar
o que pensar
a não ser o infinito
o grito das baleias
o silêncio dos peixes
a nossa fome disseminada
em cada um deles
os corais os abissais os
ancestrais
os minerais os barcos
atracados no cais
e o quanto somos finitos
diante o mar
o que pensar
a não ser como ela mexe
comigo
aqui agora beliscando meu
umbigo
em qualquer lugar que eu
esteja
com esse copo de cerveja
diante o mar
o que pensar
a não ser os pés na areia
e quem sabe uma seria
me leve a mergulhar
Jura secreta 85
enquanto você espera
Jesus voltar
- *com a boca escancarada
cheia de dentes
esperando a morte chegar
os políticos te enrabam
até o caroço
dos pés do cu ao pescoço
sem ninguém pra te salvar!
* Raul Seixas - em Ouro de
Tolo
Jura secreta 86
os olhos dessa felina
me arranham como unhas
como faca de dois gumes
que todo poema tem
São Sebastião do Sacramento
profana hóstia no altar
sagrada carne de minas
que comi para pecar
Juras secreta 87
imprimo no poema multifaces
na coisa do significado
oculto
do desejo onde o beijo não
basta
a paixão arrasta a língua
para o poço mais profundo
cheirando as flores do mal
de um Charles Baudelaire
no mais escondido fosso
desse corpo que se quer
Jura secreta 88
em
São Sebastião do
Sacramento
suas coxas em
movimento
me lembram peixes
sagrados
no mar que minas
não tem
mãos por teus
montes claros
provocam marés -
atropelos
passeio de língua
entre pelos
em outras partes
também
lábios de mel
abissal
peixe espada
noutro mar - Prometeus
desejos despindo
teus seios
teus dentes
cravados nos meus
a lua por sobre a
capela
a luz em tua alma
- donzela
Afrodite -
uma caça indefesa
presa - em minhas unhas de Zeus
Jura secreta 89
não sou um anjo certo
estou sempre anjo torto
mas se fizer de mim
anjo da guarda
te guardarei a sete chaves
no armário do meu corpo
Jura secreta
90
do portal desta estação
ouço a voz do teu silêncio
o amor com seus olhos
castanhos
passou no trem pra Leningrado
e o nosso encontro marcado
ficou para depois da estação
Porto Viejo
onde a droga do desejo
é um veneno pra nós dois.
Jura secreta 91
cara velas ao vento
toda barra em movimento
e o morro do juramento
corre em busca da farinha
que Cabral já descobriu
e um Rio violento
na pedra do Redentor
chora a morte da vizinha
chora a barbárie e o terror
e o marco do monumento
metralhadora e fuzil
pra garantir o movimento
só o prefeito é quem não viu
que esta cidade para olímpica
é uma ponte que caiu
Jura secreta 92
me encanta mais
teus olhos
que o plano piloto
de Brasilha
o palácio do planalto o alvorada
me encanta mais as mãos da namorada
que a bandeira do Brazil
o céu de anil a Tropicalha
quero muito mais a
CarNAvalha
do que a palavra açucarada
quero a palavra sal do suor da carne bruta
Flor de Lótus Cio da Fruta
mesmo quando for somente espinhos
me encanta os pés que a lata chuta
por entender que a vida é luta
para abrir novos caminhos
me encanta mais na
lama o lírio
a flor do Lascio
os olhos da minha filha
que o ouro dessas quadrilhas
que habitam esses Palácios
Jura secreta 93
beber da tua língua
líquido na maresia
suor no mar dessa linguagem
e tudo mais beberia
no teu corpo em desalinho
em luas de tempestades
em lençóis de calmaria
palavras em tua boca
levaram-me ao descaminho
amarraste-me em tua cama
com
tuas garras de linho
depois que me embriagaste
com tuas garras de vinho
Jura secreta 94
nem todo poema curto
nem
todo endereço acerto
a
meta do poeta é o alvo
o
alvo do poeta é a meta
a
flecha estendida no arco
o
arco estendido na seta
eu
quero teus olhos de vidro
não
poema em linha reta
nem
toda cidade prova
nem
todo poema povo
a
clara da gema nova
pode
estar dentro do ovo
o
biscoito fino pra massa
o
Dia D sem trapaça
acende
a fornalha na praça
a
massa do biscoito fino
Jura secreta 95
como se fosse infinita
estrada
provocando descaminhos
desafiando caminhadas
Clarice diante do espelho
no mar do precipício
transparece o corpo em
algazarra
a farra do vestido ao vento
mastigando meus instintos
na carne da noite a dentro
Jura Secreta 96
só me queira assim caçado
mestiço vadio latino
leão feroz cão danado
perturbando o teu destino
só me queira enfeitiçado
veloz macio felino
em pelo nu depravado
em tua cama sol à pino
só me queira encapetado
profanando aqueles hinos
malandro moleque safado
depravando os teus meninos
só me queria desalmado
cão algoz e assassino
duplamente descarado
quando escrevo e não assino
Jura secreta 97
mesmo se fosses
andorinha gavião ou colibri
beija-flor singrando os ares
meu amor meu bem-te-vi
Jura Secreta
98
Dandara tão clara
quanto rara
jura secreta
que desabrocha
em flor de lótus
flor de lascio
flor de lírios
flor de cactos
flor/espinho
depois do amor
pedra trans/tornada
flor no meio do caminho
Jura Secreta 99
dentro do quarto
o poema tenso
não entra nem sai
o estômago ronca
as tripas gritam de fome
e o poema preso
tenta dar um salto
pular pelas janelas
o impulso é fraco
o país é pobre
enquanto o povo dorme
a rosa se esfacela
e os restos de bandeja
são vendidos por migalhas
Jura secreta
100
memorial dos
ossos
espora essa
palavra amolada
dessas que cortam
a carne
no primeiro toque
espora em meu
sentido rock
não um mero truque
no pulsar da
língua
que a tua pele
lambe
quando saliva
aflora
espora em meu
cavalo branco
o simbolismo aceso
todo dia é dia de
São Jorge
Jorge Luis Borges
num plural latino
escavar a terra em
busca da palavra
quando nervo
implora
espora temporal
dos músculos
memorial dos ossos
nesse tempo bruto
tudo quanto posso
SINOPSE: A poesia de Artur flui feito pluma ao vento, “a lavra da palavra quero seja pele pluma onde Mayara bruma já me diz espero, saliva na palavra espuma onde tua lavra é uma elétrica pulsação de Eros”. No entanto, a despeito da leva da linguagem que segue o ritmo interno da inspiração do poeta, camufla em partes, em outras escancara, o caráter ardente da poesia que chama por Eros. Repleta de paixão e de fogo, as imagens de amantes, as analogias do sexo desprendem deste clamor contido no peito de Artur, mas que, pelo fazer das letras desenvolve-se na liberação dos desejos mais sensuais, “essa ostra no mar das tuas pernas”, ou mesmo quando o poeta compara a procura pela palavra com o escavar libidinoso que os amantes fazem um pelo corpo do outro, “tudo o que quero conhecer a pele do teu nome / a segunda pele o sobrenome / no que posso no que quero”. Embora, por ser poesia, as palavras sejam como “flor”, esta metáfora, esta alegoria bela e perfumada exala da queimada ardente da linguagem, feito mulher prenhe de libido, “a pele em flor a flor da pele / a palavra dândi em corpo nua / a língua em fogo a língua crua / a língua nova a língua lua”. Esta poesia tão luxuriosa incendeia o solo urbano, tanto quanto a natureza, falando da monotonia urbana de São Paulo, que alucina a sobriedade do poeta com sua beleza cruel, cidade no qual o “matadouro” é a arte concreta. Mas feito pluma ao vento a poesia de Artur enxerga o fogo da paixão, da convicção voando também para longe da violência e tribulação urbana, pairando sobre a mágica enamorada das praias, do vento, das sombras, da natureza, local onde residem os aspectos matrimoniais da união homem-mulher, “qualquer que seja a hora em que se beijam num pontal em comunhão total com a natureza”. As juras do poeta ardente profanam o sagrado, quando em sua retórica e discurso extrapolam a rigidez das formas, mas, em ousadia apelam para as rezas e para o caráter inviolável das promessas com uma “violência antropofágica erótica”.
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