Poeta Artur Gomes é eleito para cadeira 12 da Academia Campista de Letras
O último ocupante dessa cadeira foi o professor e ex-presidente da ACL Hélio de Freitas Coelho
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Os membros da Academia Campista de Letras (ACL) elegeram Artur Gomes, poeta, ator e produtor cultural, para ocupar a cadeira n. 12 da instituição, na noite de quinta-feira (3).
O último ocupante dessa cadeira foi o professor e ex-presidente da ACL Hélio de Freitas Coelho, tendo como patrono Heitor de Araújo Silva.
Candidataram-se como postulantes à vaga os escritores Diego Nunes Abreu, Ivan Vilela Júnior, Pedro Henrique Rodrigues Ribeiro, Thais de Souza Silva, Wedson Felipe Cabral Pacheco e Wesley Barbosa Machado.
As candidaturas, previamente analisadas pela comissão eleitoral (formada pelo presidente Ronaldo Junior, pelo segundo vice-presidente Carlos Augusto Alencar e pela Secretária Titular Sylvia Paes), foram deferidas e assim votadas: Artur Gomes obteve 15 votos, enquanto Pedro Henrique Ribeiro obteve 1 voto. Os demais não receberam votos.
A cerimônia de posse está marcada para ocorrer no sábado, dia 19 de outubro, às 16h, na sede da ACL, localizada no Jardim São Benedito.
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Artur Gomes – Fulinaimagens
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Juras
Secretas - Artur Gomes
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*
SINOPSE: A poesia de Artur flui feito pluma ao vento, “a lavra da palavra
quero seja pele pluma onde Mayara bruma já me diz espero, saliva na palavra
espuma onde tua lavra é uma elétrica pulsação de Eros”. No entanto, a despeito
da leva da linguagem que segue o ritmo interno da inspiração do poeta, camufla
em partes, em outras escancara, o caráter ardente da poesia que chama por
Eros. Repleta de paixão e de fogo, as imagens de amantes, as
analogias do sexo desprendem deste clamor contido no peito de Artur, mas que,
pelo fazer das letras desenvolve-se na liberação dos desejos mais sensuais,
“essa ostra no mar das tuas pernas”, ou mesmo quando o poeta compara a procura
pela palavra com o escavar libidinoso que os amantes fazem um pelo
corpo do outro, “tudo o que quero conhecer a pele do teu nome / a segunda pele
o sobrenome / no que posso no que quero”. Embora, por ser poesia, as
palavras sejam como “flor”, esta metáfora, esta alegoria bela e perfumada exala
da queimada ardente da linguagem, feito mulher prenhe de libido, “a pele em
flor a flor da pele / a palavra dândi em corpo nua / a língua em fogo a língua
crua / a língua nova a língua lua”. Esta poesia tão luxuriosa incendeia o solo
urbano, tanto quanto a natureza, falando da monotonia urbana de São Paulo, que
alucina a sobriedade do poeta com sua beleza cruel, cidade no qual o
“matadouro” é a arte concreta. Mas feito pluma ao vento a poesia de Artur
enxerga o fogo da paixão, da convicção voando também para longe da violência e
tribulação urbana, pairando sobre a mágica enamorada das praias, do vento, das
sombras, da natureza, local onde residem os aspectos matrimoniais da união
homem-mulher, “qualquer que seja a hora em que se beijam num pontal em comunhão
total com a natureza”. As juras do poeta ardente profanam o sagrado,
quando em sua retórica e discurso extrapolam a rigidez das formas, mas, em
ousadia apelam para as rezas e para o caráter inviolável das promessas com uma
“violência antropofágica erótica”.
feitiçarias de Artur Gomes - por Michèle Sato
Difícil iniciar um prefácio para abordar feitiçarias de um grande mestre. A mágica aparição do texto transborda sentidos cósmicos, como se um feixe de luz penetrasse em um túnel escuro dando-lhe o sorver da vida. Diariamente, recebo um deserto imenso de poemas e a leitura se esvai com “batatinha quando nasce põe a mão no coração”. Um ou outro me chama a atenção, desde que sou do chamado “mundo das ciências” e leio poemas com coração, mas inevitavelmente aguçado pelo olhar crítico vindo do cérebro.
A academia pode ser engessada, mas é, sobremaneira, exigente. Aplaude o inédito, reconhecendo que o poema é um caos antes de ser exteriorizado, mas harmônico, quando enfeitiçado. A leitura requer algo como canto do vento, que não seja fugaz, mas que acaricie no assopro da Terra. Por isso, é com satisfação que inicio este pequeno texto, sem nenhuma pretensão de esgotar o talento do grande mestre, mas responder aos poemas de Artur que brilham, soltam faíscas, incendeiam-se em erotismo e garras enigmáticas. Ele transcende regras, inventa palavras, enlouquece verbos. E as relações estabelecidas revelam a desordem dos sonhos na concretude harmônica de suas palavras.
A aventura erótica não se despede de seu olhar político. Situado fenomenologicamente no mundo, e transverso nele, Artur profana o sagrado com suas invenções transgressoras. Reinventa a magia e decreta uma nova vida para que o mundo não seja habitado somente pelos imbecis. Dança no universo, com a palavra fluída, imprevistos pitorescos, mordidas e grunhidos. Reaparece no meio de um cacto espinhoso, mas é absurdamente capaz de ofertar a beleza da flor. Contemporâneo e primitivo se aliam, vencem os abismos como se ao comerem as palavras monótonas, pudessem renascer por meio da antropofagia infinita de barulhos e silêncios. O sangue coagulado jorra, as cavernas se dissolvem e é provável que poucos compreendam a beleza que daí se origina.
Nos labirintos de suas palavras, resplandece o guerreiro devorador, embriagado, quase descendo ao seu próprio inferno. Emana seu fogo, na ardência de sexo e simultaneamente na carícia do amor. Pedras frias se aquecem, coram com o tom devasso que colore a mais bela das pornofonias. Marquês de Sade sente inveja por não ser o único déspota das palavras sensuais. E os poemas de Artur reflorescem, exalam odor como desejos secretos e risos que ecoam no infinito.
não fosse essa alga queimando em tua coxa ou se fosse e já soubesse mar o nome do teu macho o amor em ti consumiria (jura secreta 5)
De repente um cavalo selvagem cavalga na relva úmida, como se o orvalho da manhã pudesse revelar o fogo roubado das pinturas rupestres. Ao som de tambores, suas palavras se tornam arte em si, como se fossem desenhos projetados em um fantástico mundo vertiginoso. Seres encantados surgem das águas originários de sentimento, abraçadas nas pedras lisas, rugosas, esverdeadas da terra. O fogo dança em vulcões e a metamorfose é percebida em seus ares. Os elementos se definem como bestas, humanos, ou segmentos da natureza como uma orquestra sinfônica que vai além da sonoridade. Adentram sentidos polissêmicos e, neste momento, até o André Breton percebe o significado das palavras de Artur, pois a beleza é convulsiva e crava no peito feito cicatriz.
e o que não soubesse do que foi escrito está cravado em nós como cicatriz no corte (jura secreta 10)
Da violação do limite, do fruto proibido ou da linguagem erótica, os poemas de Artur são orgasmos literários que oscilam entre o sacro e o profano. Sua cultura, visão de mundo e inteligência possibilitam ir além da pura emoção sentimental, evocando a liberdade para que a terra asfixiada grite pela esperança. Artur comunga com outros seres a solidariedade da Terra, ainda que por vezes, seja devastador em denunciar disparidades, mas é habilidoso em anunciar acalentos. A palavra poética desfruta fronteiras, e Roland Barthes diria que a história de Artur é o seu tributo apaixonado que ele presta ao mundo para com ele se conciliar. Em sua linguagem explosiva, provavelmente está a intensidade de sua paixão - um amor perverso o suficiente para viciar em suas palavras, mas delicado o bastante para dar gênese ao mundo enfeitiçado pela habilidade de sua linguagem.
A essência deste perfume parece estar refletida num espelho, pois se as linguagens podem incluir também o silêncio, as palavras de Artur soam como uma melodia. Projetada numa tela, a pintura erótica torna-se sublime e para além de escrevê-las, ele vive suas linguagens. Esta talvez seja a diferença de Artur com tantos outros poetas: a sua capacidade de transcender a tradição medíocre para viver um intenso de mistério de sua poética. Ele não duvida de suas palavras, nem as censura para não quebrar seu encanto, mas devora em seu ser na imaginação e no poder de sua criação. Criador e criatura se misturam, zombam da vida, gargalham da obviedade. Põem-se em movimento na dança estrelas que iluminam a palavra.
Os fragmentos poéticos são misteriosos de propósito, uma cortina mal fechada assinala que o palco pode ser visto, porém não em sua totalidade. Disso resulta a sedução para que ele continue escrevendo, numa manifestação enigmática do poder surrealista em nos alertar sobre nossas incompletudes fenomenológicas. O imperfeito é o sentido da fascinação, diria Barthes em seus fragmentos de um discurso amoroso. E a poética de Artur não representa ressurreição, nem logro, senão nossos desejos. O prazer do texto pode revelar o prazer do autor, mas não necessariamente do leitor. Mas Artur lança-se nesta dialética do desejo, permitindo um jogo sensual que o espaço seja dado e que a oportunidade do prazer seja saciada como se fosse um "kama sutra poético" para além do prazer corporal. Esta duplicidade semiológica pode ser compreendida como subversiva da gramática engessada - o que, em realidade, torna seus textos mais brilhantes. Não pela destruição da erudição, mas pela abertura da fenda, para que a fruição da linguagem seja bandeira cultural da liberdade.
E a sua liberdade projeta-se num horizonte onde a dimensão sócio-ambiental é freqüentemente presente. É uma poesia universal de representações urbanas e rurais, de flora, fauna e fontes de praças públicas. Desacralizando o “normal previsível”, borda em sua costura de mosaicos, esquinas e passaredos.
eu sei de gente e de bichos ambos atolados no lixo tem gente que come bicho tem bicho que come gente tem gente que vive no lixo tem lixo que mora no bicho gente que sabe que é bicho e bicho que pensa ser gente (jura secreta 28)
A poética das Juras Secretas opõem-se a instância pretérita numa espiral de presente com futuro. Metafisicamente, desliga-se do momento agonizante e os olhos do poeta não se cansam, ainda que a paisagem queira cansá-los. Seu toque lembra o neoconcretismo, por vezes, cuja aparição na semana da arte moderna mexeu com os mais tradicionais versos da literatura ordinária. Mas sua temporalidade vence Chronos, na denúncia de um calendário tirano ao anúncio de Kairós, também senhor do tempo, mas que media pelos ritmos do coração.
20 horas 20 noites 20 anos 20 dias até quando esperaria... até quando alguém percebesse que mesmo matando o amor o amor não morreria. (jura secreta 51)
É óbvio que a materialidade da linguagem, sua prosódia e seu léxico se mantêm no texto. Mas foge das estruturas engessadas do arrombo repetitivo, florescendo em neologismos verossímeis e ritmos cardíacos. Amiúde, são palavras jorradas em potente cultura significante. No chão dialogante, este poeta desestabiliza a normalidade com suas criações.
por que te amo e amor não tem pele nome ou sobrenome não adianta chamar que ele não vem quando se quer porque tem seus próprios códigos e segredos mas não tenha medo pode sangrar pode doer e ferir fundo mas é razão de estar no mundo nem que seja por segundo por um beijo mesmo breve por que te amo no sol no sal no mar na neve. (jura secreta 34)
ARTUR GOMES é, para mim, um grande relato de seu próprio devir, que sabe poetizar a partir de seu vivido. E por isso, enfeitiça.
Michèle Sato – Bióloga, pesquisadora na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
*
Jura Secreta
não fosse essa jura secreta
mesmo se fosse e eu não falasse
com esse punhal de prata
o sal sob o teu vestido
o sangue no fluxo sagrado
sem nenhum segredo
esse relógio apontado pra lua
não fosse essa jura secreta
mesmo se fosse eu não dissesse
essa ostra no mar das tuas pernas
como um conto do Marquês de Sade
no silêncio logo depois do susto
a língua escava entre os dentes
a palavra nova
fulinaimânica/sagarínica
algumas vezes muito prosa
outras vezes muito cínica
tudo o que quero conhecer:
a pele do teu nome
a segunda pele o sobrenome
no que posso no que quero
a pele em flor a flor da pele
a palavra dandi em corpo nua
a língua em fogo a língua crua
a língua nova a língua lua
fulinaímica/sagaranagem
palavra texto palavra imagem
quando no céu da tua boca
a língua viva se transmuta na viagem
Jura secreta 2
não fosse esse punhal de prata
mesmo se fosse e eu não quisesse
o sangue sob o teu vestido
o sal no fluxo sagrado
sem qualquer segredo
esse rio das ostras
entre tuas pernas
o beijo no instante trágico
a língua sem que ninguém soubesse
no silêncio como susto mágico
e esse relógio sádico
como um Marquês de Sade
quando é primavera
Jura secreta 4
a menina dos meus olhos
com os nervos à flor da pele
brinca de bem-me-quer
ela inda pensa que é menina
mas já é quase uma mulher
Jura secreta 5
não fosse essa alga
queimando em tua coxa
ou se fosse e já soubesse
mar o nome do teu macho
o amor em ti consumiria
Olga Savary
no sumidouro dos meus dias
o couro cru
na antropofágica erótica
carne viva
tua paixão em mim
voraz língua nativa
nosso batismo de fogo
25 de março
e o morro querosene em chamas
no canto pro tempo nascer
e o amor que a gente faria
Jura secreta 7
fosse Sampa uma cidade
ou se não fosse não importa
essa cidade me transporta
me transborda me alucina
me invade inter/fere na retina
com sua cruel beleza
como Oswald de Andrade
e sua realidade
como Mário de Andrade
e sua delicadeza
Jura Secreta 8
artefato (poema sujo)
numa cidade abstrata
sem sentido ou significado
matadouro é arte concreta
veracidade é pecado
pago com pena de morte
esta máquina de escrever
fotografada em Itaguara
como um poema de Lorca
escrito em Nova Granada
cravado em Araraquara
você não sabe onde está
você não sabe onde é
você não sabe de quem foi
este punhal na metáfora
que sangra a carne do boi
Jura secreta 9
:
a quem daria?
fosse o que eu quisesse
apenas um beijo roubado em tua boca
dentro do poema nada cabe
nem o que sei nem o que não se sabe
e o que não soubesse
do que foi escrito
está cravado em nós
como cicatriz no corte
entre uma palavra e outra
do que não dissesse
a palavra chave
da palavra a imagem xis
tudo por um risco
tudo por um triz
o trem bala (cospe esqueletos
no depósito da Central)
fuzil pode ser nosso brinquedo:
Jura secreta 12
Sargaço em tua boca espuma
em Armação de Búzios
tenho um amor sagrado
guardado como jura secreta
que ainda não fiz para Laís
em teus cabelos girassóis de estrelas
que de tanto vê-las o meu olho vela
e o que tanto diz onda do mar não leva
da areia da praia onde grafei teu nome
para matar a sede e muito mais a fome
entranhada na carne como flor de Lótus
grudada na pele como tatuagem
flutuando ao vento como leve pluma
no salgado corpo do além mar afora
sargaço em tua boca espuma
onde moram peixes - na cumplicidade
do que escrevo agora
Jura secreta 13
o tecido do amor já esgarçamos
em quantos outubros nos gozamos
agora que palavro Itaocaras
e persigo outras ilhas
na carne crua do teu corpo
amanheço alfabeto grafitemas
quantas marés endoidecemos
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga risse
pulsando em nós flechas de fogo se existisse
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse
eu te desejo flores lírios brancos
margaridas girassóis rosas vermelhas
e tudo quanto pétala
asas estrelas borboletas
alecrim bem-me-quer e alfazema
eu te desejo emblema
deste poema desvairado
com teu cheiro teu perfume
teu sabor teu suor tua doçura
e na mais santa loucura
declarar-te amor até os ossos
eu te desejo e posso :
palavrArte até a morte
enquanto a vida nos procura
Jura secreta 15
leminskiAna
o estado pode ser de choque
ou quem sabe até de surto
o soco pode ser no estômago
a facada pra ferir o fígado
o bandido me assaltar na via
o sangue explodir na veia
a vodka só me dar azia
todo instante que vier eu curto
a palavra que pintar eu furto
tudo o que eu faço é poesia.
ou se não fosse apenas brisa
diante da menina dos meus olhos
com esse mar azul nos olhos teus
não sei se MichelÂngelo
procuro um espelho em minha face
para ver se os teus olhos
Jura secreta 17
meu objeto concreto
é um poema abstrato
impressionista realista
quem sabe neo concretista
poderoso artefato
uma bomba de Hiroshima
uma rosa parafina
ou quem sabe uma menina
que conheci só no retrato
Jura secreta 18
te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo
os peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
as rendas finas que vestias
sobre os teus pêlos ficção
todos os laços dos tecidos
aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
o batom da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes
e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa
ainda que fosse viagem
de metrô ou fantasia
e o assunto que eu mais queria
fosse o que não dissesse
e o mar apenas trouxesse
gaivotas sobre os cabelos
vento sol maresia
e o líquido que não bebemos
fosse conhac ou cerveja
mesmo assim a vida seja
entre o que os pelos lateja
o que a tua boca não fala
o que a tua língua não prova
e a prova das dezessete
te levasse mais cedo
inda assim não tenha medo
a palavra entre meus dedos
é o que ainda não disse
miragem essa coisa nova
agora revisitada
naquela hora marcada
de tudo o que não fizemos
Jura secreta 57
meta metáfora no poema meta
como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico prumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste
como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em prumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece
Jura secreta 58
a carne que me cobre é fraca
a língua que me fala é faca
o olho que me olha vaca
alfa
me querendo beta
juro que não sou poeta
a ninfa que me ímã
quando
arquiteta
o salto da abelha
quando mel em flor
e
pulsa pulsa pulsa pulsa
na matéria negra cor
quando
a pele que veste é nada
éter pluma seda em pelo
quando custa estar em Arcozelo
desatar a lã dos fios do novelo
em
pleno sol de Amsterdã
desvendar Hollanda
nos
mistérios da palavra
por
entre o nó dos cotovelos?
jura secreta 59
a coisa que me habita é pólvora
dinamite em ponto de explosão
o país em que habito é nunca
me verás rendido a normas
ou leis que me impeçam a fala
a rua onde trafego é amplo
atalho pra o submundo
do escavado fosso
o poço
onde mergulho é fundo
vai da pele que me cobre a carne
ao nervo mais íntimo do osso
Jura secreta 60
qualquer
palavra eu invento
na carnadura
dos ossos
na escriDura
do éter
na
concretude do vento
na
engrenagem da sílaba
vocabulário
onde posso
dar nome
próprio ao veneno
que tem o
Agro Negócio
Jura Secreta 61
pele grafia
meus lábios em teus ouvidos
flechas netuno cupido
a faca na língua a língua na faca
a febre em patas de vaca
as unhas sujas de Lorca
cebola pré sal com pimenta
tempero sabre de fogo
na tua língua com coentro
qualquer paixão re/invento
o corpo/mar quando agita
na preamar arrebenta
espuma esperma semeia
sementes letra por letra
na bruma branca da areia
sem pensar qualquer sentido
grafito em teu corpo despido
poemas na lua cheia
Juras secreta 62
tenho estado
entre o fio
e a navalha
perigosamente
– no limite
pulando a
cerca da fronteira
entre o teu
estado de sítio
e o meu
estado de surto
só curto a
palavra viva
odeio uma
língua morta
poema que
presta é linguagem
pratico a
SagaraNAgem
na
esquina da rua torta
Jura secreta 63
não sei se
escrevo tanto
não sei se
escrevo tenso
um fio elétrico
suspenso
com tanta
coisa no Ar
não sei se olho
em teu olho
pra encontrar a
entrada
da porta da tua
casa
onde a palavra
estiver
não sei se pinto
um Van Gog
ou se escrevo um
Baudelaire
Jura secreta 64
para Celso Borges e Lília Diniz
faz escuro mas eu canto
Thiago de Mello
eu sou quem morre e não deita
Salgado Maranhão
pros meus
afins está difícil
por isso esse novo canto
se o dia não amanhecer
Querubins e
SerAfins
o que será de Parintins
Bumba-Meu-Boi
o que será ?
Maranhão meu
São Luiz
o que será de Imperatriz
do povo/boi o que será
do povo/boi o que vai ser?
Jura secreta
65
esse teu olho que me olha
azul safira
ou mesmo verde
esmeralda fosse
pedra - pétala rara
carne da matéria doce
ou mesmo apenas fosse
esse teu olho que me molha
quando me entregas do mar
toda alga que me trouxe
Jura secreta
66
era para ser assim como se foice
no papel de seda era língua e sangue
unhas muitos dedos dentes
nos teus céus de boca
era para ser assim como se fosse
meus olhos no cinema
nos teus olhos presos
e o destino do poema teus lábios indefesos
Jura secreta 67
aqui
os ponteiros
mordem os músculos
do relógio
com seus profanos dentes
onde não tem amanhã
nem ontem
só presente
Jura secreta 68
disseram-me certa vez
que essa escrita que voz falo
é um prato indigesto
osso duro de roer
carne ruim de comer
juro mesmo não presto
:
Federico Baudelaire
koringa boi/pintadinho
muito além do couro cru
muito além da carNAvalha
muito além da mesa posta
tenho mais de 25 mil cartas sem perguntas
e
mais de 25 mil perguntas sem respostas
minha língua é do barbalho
e
nas cartas do meu baralho
eu sei que você não aposta
Jura secreta 69
VeraCidade 2
há muito tempo
não
morro mais aqui
minha cidade
é desbotada
há muito
perdeu o brilho
na minha
voracidade o sol é claro
e a arte que
preparo
é o tiro que
disparo
é a arma que engatilho
Jura Secreta 70
lady gumes african´s baby
meto meus dedos cínicos
no teu corpo em fossa
proclamando o eu ainda possa
vir a ser surpresa
porque meu amor não tem essa
de cumer na mesa
é caçador e caça mastigando na
floresta
todo tesão que resta desta
pátria indefesa
ponho meus dedos cínicos
sobre tuas costas
vou lambendo bostas
destas botas neo burguesas
porque meu amor não tem essa
de vir a ser surpresa
é língua suja e grossa
visceral ilesa
pra lamber tudo que possa
vomitar na mesa
e me livrar da míngua
desta língua portuguesa
Jura secreta 71
o movimento dos
barcos
dia desses ainda me leva
mar a dentro
o sal no centro de gravidade
que se move ainda em mim
quando enlouqueço
o endereço do sentido
ainda não tenho
e ando prenho de saudade
do Pontal que um dia foi
Jura secreta 72
Clarice dorme em
minhas mãos
a carne trêmula
depois do beijo
na maçã que hoje
comemos
agora
sonha tudo aquilo
que Baudelaire lhe
prometeu
quando
amanhece
os olhos dela
quanto dia
que o dia de ontem
não comeu
Jura secreta 73
dois mil e dois
em Porto Alegre
era dezembro
num quarto de hotel
entre lençóis de branco linho
teus pelos girassóis em desalinho
a
pele rosada como pêssego
a língua eu bebia como vinho
o leite que suguei
de teus mamilos
o gosto agora sangue em minha boca
e
o incêndio que apaguei em tuas coxas
agora queima em minha mãos no pergaminho
Jura secreta 74
Guarapari Antropofágica
come. come meus pés
descalços
e os vestígios de Anchieta
por onde estiver ainda
come. come todos os passos
e vomita os restos na
Ampulheta
porque o tempo tarda mas não
finda
Jura secreta 75
é abissal
o cheiro de esperma e susto
não fosse o ópio
nem cem anos de solidão
provocaria tal efeito
o peito estraçalhado
por dentes enigmáticos
Monalisa sangra na Elegia do agora
cada Deusa tem seu Templo
cada mulher tem sua hora
Jura secreta 76
black
Billy
ela tinha um jeito gal – fatal vapor barato
toda
vez que me trepava as unhas com um gato
cantar
era seu dom
chegava
a dominar a voz feito cigarra
cigana
ébria vomitando doses do seu canto
uma vez só subiu ao palco
estrela
no hotel das prateleiras
companheira
de ratos na pele de insetos
praticando
a luz incerta no auge do apogeu
a morte
não é muito mais que um plug
elétrico
um grito de guitarra – uma
centelha
logo assim que ela começa
algo se espelha
na carne inicial de quem
morreu
Jura secreta 77
jazz free som balaio
para Moacy Cirne
gravada no CD fulinaíma sax blues poesia
ouvidos negros Miles trumpete nos tímpanos
era uma criança forte como uma bola de gude
era uma criança mole como uma gosma de grude
tanto faz quem tanto não me fez
era uma ant/Versão de blues
nalguma nigth noite uma só vez
ouvidos black rumo premeditando o breque
sampa midinigth ou aVersão de Brooklin
não pense aliterações em doses múltiplas
pense sinfonia em rimas raras
assim quando desperta do massificado
ouvidos vais ficando dançarina cara
ao Ter-te Arte nobre minha musa Odara
ao toque dos tambores ecos sub/urbanos
elétricos negróides urbanóides gente
galáxias relances luzes sumos prato
delícias de iguarias que algum Deus consente
aos gênios dos infernos que ardem gemem Arte
misturas de comboios das tribos mais distantes
de múltiplas metades juntas numa parte
Jura secreta 78
a paciência explode
na cara do presidente
arranca-lhe os dentes
e o mandato
a vida é um teatro
no picadeiro do planalto
no circo dos indigentes
Jura secreta 79
um
ser de luz
música
feminina
invade
a minha íris retina
no
dia 11 de agosto
despencava
a tarde
por
entre folhas e fios
de
eletricidade
hoje
me chega na noite
e
me traz um céu
bordado
de ternura
e
eternidade
Jura
secreta 81
rasguei as velas
que teci em
tempestades
rompi as noites
em alto mar de
maresias
pensei teu corpo
pra amenizar
tanta saudade
e vi teus olhos
em cada vela que tecia
Jura
secreta 82
perguntei ao Herbert
como vão as coisas
pelas bandas das Minas
não as Gerais
mas as que moram no Cais
da lapa ou do porto
as que fazem direito ou torto
as que tem as costas
em linhas curvas
e atravessam o arco-íris
das formas que nem sei
as que tem um belo horizonte
pelas bandas de São João Del Rey
Jura secreta 83
mordi a carne da maçã
na língua o gosto
era o batom
que ela usa nos
mamilos
a carne da fruta
é vermelha
branca é a minha
Vênus de Milos
grafita pela pele
pelos poros
como plumas
nas linhas dos
lençóis de linho
transpira o amor
em desalinho
rasgando toda
blusa de lã
da minha musa de
Vênus
quando transborda
nossa cama de manhã
Jura secreta 84
diante o mar
o que pensar
a não ser o
infinito
o grito das
baleias
o silêncio dos
peixes
a nossa fome
disseminada
em cada um deles
os corais os
abissais os ancestrais
os minerais os
barcos atracados no cais
e o quanto somos
finitos
diante o mar
o que pensar
a não ser como
ela mexe comigo
aqui agora
beliscando meu umbigo
em qualquer lugar
que eu esteja
com esse copo de
cerveja
diante o mar
o que pensar
a não ser os pés
na areia
e quem sabe uma
seria
me leve a
mergulhar
Jura secreta 85
enquanto você espera
Jesus voltar
- *com a boca escancarada
cheia de dentes
esperando a morte chegar
os políticos te enrabam
até o caroço
dos pés do cu ao pescoço
sem ninguém pra te salvar!
* Raul Seixas - em Ouro de Tolo
Jura secreta 86
os olhos dessa felina
me arranham como
unhas
como faca de dois
gumes
que todo poema
tem
São Sebastião do
Sacramento
profana hóstia no
altar
sagrada carne de
minas
que comi para
pecar
Juras secreta 87
imprimo no poema multifaces
na coisa do significado oculto
do desejo onde o beijo não basta
a paixão arrasta a língua
para o poço mais profundo
cheirando as flores do mal
de um Charles Baudelaire
no mais escondido fosso
desse corpo que se quer
Jura secreta 88
em
São Sebastião do Sacramento
suas coxas em movimento
me lembram peixes sagrados
no mar que minas não tem
mãos por teus montes claros
provocam marés - atropelos
passeio de língua entre pelos
em outras partes também
lábios de mel abissal
peixe espada noutro mar - Prometeus
desejos despindo teus seios
teus dentes cravados nos meus
a lua por sobre a capela
a luz em tua alma - donzela
Afrodite - uma caça indefesa
presa - em minhas unhas de Zeus
Jura
secreta 89
não sou um anjo certo
estou sempre anjo torto
mas se fizer de mim
anjo da guarda
te guardarei a sete chaves
no armário do meu corpo
Jura secreta 90
do portal desta estação
ouço a voz do teu silêncio
o amor com seus olhos castanhos
passou no trem pra Leningrado
e o nosso encontro marcado
ficou para depois da estação Porto Viejo
onde a droga do desejo
é um veneno pra nós dois.
Jura
secreta 91
cara velas ao
vento
toda barra em
movimento
e o morro do
juramento
corre em busca da
farinha
que Cabral já
descobriu
e um Rio violento
na pedra do
Redentor
chora a morte da
vizinha
chora a barbárie
e o terror
e o marco do
monumento
metralhadora e
fuzil
pra garantir o
movimento
só o prefeito é
quem não viu
que esta cidade
para olímpica
é uma ponte que
caiu
Jura secreta 92
me encanta mais teus olhos
que o plano piloto de Brasilha
o palácio
do planalto o alvorada
me encanta mais as mãos da namorada
que a bandeira do Brazil
o céu de anil a Tropicalha
quero
muito mais a CarNAvalha
do que a palavra açucarada
quero a palavra sal do suor da carne bruta
Flor de Lótus Cio da Fruta
mesmo quando for somente espinhos
me encanta os pés que a lata chuta
por entender que a vida é luta
para abrir novos caminhos
me encanta
mais na lama o lírio
a flor do Lascio
os olhos da minha filha
que o ouro dessas quadrilhas
que habitam esses Palácios
Jura
secreta 93
beber
da tua língua
líquido na
maresia
suor no mar
dessa linguagem
e tudo mais
beberia
no teu corpo em
desalinho
em
luas de tempestades
em lençóis de
calmaria
palavras em tua
boca
levaram-me ao
descaminho
amarraste-me em
tua cama
com tuas
garras de linho
depois que me
embriagaste
com tuas garras
de vinho
Jura
secreta 94
nem todo poema curto
nem todo endereço acerto
a meta do poeta é o alvo
o alvo do poeta é a meta
a flecha estendida no arco
o arco estendido na seta
eu quero teus olhos de vidro
não poema em linha reta
nem toda cidade prova
nem todo poema povo
a clara da gema nova
pode estar dentro do ovo
o biscoito fino pra massa
o Dia D sem trapaça
acende a fornalha na praça
a massa do biscoito fino
Jura secreta 95
como se fosse infinita estrada
provocando descaminhos
desafiando caminhadas
Clarice diante do espelho
no mar do precipício
transparece o corpo em algazarra
a farra do vestido ao vento
mastigando meus instintos
na carne da noite a dentro
só me queira
assim caçado
mestiço vadio
latino
leão feroz cão
danado
perturbando o teu
destino
só me queira
enfeitiçado
veloz macio
felino
em pelo nu
depravado
em tua cama sol à
pino
só me queira
encapetado
profanando
aqueles hinos
malandro moleque
safado
depravando os
teus meninos
só me queria
desalmado
cão algoz e
assassino
duplamente descarado
quando escrevo e
não assino
Jura secreta 97
mesmo se fosses
andorinha gavião ou colibri
beija-flor singrando os ares
meu amor meu bem-te-vi
Jura
Secreta 98
Dandara tão clara
quanto rara
jura secreta
que desabrocha
em flor de lótus
flor de
lascio
flor de
lírios
flor de
cactos
flor/espinho
depois do
amor
pedra
trans/tornada
flor no meio do
caminho
Jura Secreta 99
dentro do quarto
o poema tenso
não entra nem sai
o estômago ronca
as tripas gritam de fome
e o poema preso
tenta dar um salto
pular pelas janelas
o impulso é fraco
o país é pobre
enquanto o povo dorme
a rosa se esfacela
e os restos de bandeja
são vendidos por migalhas
Jura
secreta 100
memorial
dos ossos
espora essa palavra amolada
dessas que cortam a carne
no primeiro toque
espora em meu sentido rock
não um mero truque
no pulsar da língua
que a tua pele lambe
quando saliva aflora
espora em meu cavalo branco
o simbolismo aceso
todo dia é dia de São Jorge
Jorge Luis Borges
num plural latino
escavar a terra em busca da
palavra
quando nervo implora
espora temporal dos músculos
memorial dos ossos
nesse tempo bruto
tudo quanto posso
Juras secretas de um trovador
contemporâneo
por Adriano Moura
“Só uma palavra me devora / Aquela que meu coração não diz”.
Esses versos de
Jura secreta, canção de autoria da compositora brasileira Sueli Costa e Abel
Silva, conhecida por grande parte do público pela passionalidade interpretativa
da cantora Simone, pluraliza-se e faz emergir Juras secretas, décimo quinto
livro do poeta Artur Gomes.
Não que haja intertextualidade explícita entre a canção e os poemas do livro, mas denota o intertexto como uma das principais marcas do poeta, recurso presente em seus livros anteriores.
Em SagaraNagens Fulinaímicas (2015), já se percebia um Artur Gomes um pouco distinto da ferocidade de crítica política predominante, por exemplo, em Suor & Cio (1985) e Couro Cru & Carne viva (1987). Em Juras secretas, o poeta assume de vez sua faceta lírica, e é essa que pontua as cem “juras” que preenchem o miolo do livro.
Jura secreta 45
por enquanto
vou te amar assim
em segredo
como se o sagrado
fosse
o maior dos
pecados originais
e minha língua
fosse
só furor dos canibais
E é com furor
canibalesco que se nota, na tessitura poética de muitos versos, o poeta que se
dedica também à leitura da literatura e de outras artes. Antropofágico,
herdeiro de Oswald Andrade e do Tropicalismo, a língua do poeta devora tudo que
o coração não diz para permitir que a poesia o diga.
Hilda Hilst, Portinari, Glauber Rocha, são signos que denotam o repertório de um leitor-espectador de várias linguagens e que não esconde essas influências. Porém sua poesia não é enciclopédica. As alusões promovem efeitos sonoros e imagéticos que contribuem para o desenvolvimento de uma estilística pessoal e funcional.
Jura secreta 13
quantas marés
endoidecemos
e aramaico
permaneço doido e lírico
em tudo mais que
me negasse
flor de lótus flor
de cactos flor de lírios
ou mesmo sexo
sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando
então se me amasse
ardendo em nós
salgado mar e Olga risse
olhando em nós
flechas de fogo se existisse
por onde quer que
eu te cantasse ou Amavisse
Artur Gomes é um dos poucos poetas que
mantém viva a tradição da oralidade. Participa de vários encontros Brasil afora
recitando seus versos como um trovador contemporâneo. Nota-se, na estrutura
musical de sua poesia e nas imagens que cria, uma obra que se materializa por
completo quando dita em voz alta. Mas mesmo no silêncio do quarto, da sala, da
praia ou no barulho do carro, trem ou metrô; a poesia de Juras secretas oferece
viagens estéticas aos que sabem que a poesia não está morta como andam pregando
por aí.
Jura secreta 43
com os seus dentes
de concreto
São Paulo é quem
me devora
e selvagem devolvo
a dentada
na carne da rua
Aurora
Adriano Carlos Moura
Mestre em Cognição
e Linguagem (Uenf).
Professor de
Literatura do IFF –
Doutor em Letras, na
Universidade Federal de Juiz de Fora-MG – poeta e dramaturgo
Por Krishnamurti Góes dos Anjos
Poeta maldito é termo utilizado para referir poetas que constroem uma obra “rebelde” mesmo em face do que é aceito pela sociedade, considerada como meio alienante e que aprisiona os indivíduos nas suas normas e regras. Rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se também, geralmente, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída.
A desobediência,
enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das
características dos poetas malditos. Filiam-se a essa tradição nomes (com as
variantes óbvias de estilo e época) como os de Gregório de Mattos, Augusto dos
Anjos, Paulo Leminski, Álvares de Azevedo, Jorge Mautner, Waly Salomão dentre
outros, sem falar no trio mais conhecido mundialmente da “parafernália” poética:
Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.
O ator, produtor,
videomaker e agitador cultural que é Artur Gomes acaba de
lançar “Juras secretas”, reunião de 100 poemas a maior parte deles
sobejando a temática do amor visto na perspectiva de paixão avassaladora. Mas
há também, aqui e ali a presença, sempre em perspectiva ousada e radical, de
poemas que vão do doce e suave sentido do amor, ao cruel, do libidinoso, à
poesia de cunho social sempre expressando indignação, desobediência e
transgressão. Com efeito o homem é uma metralhadora giratória a espalhar e
espelhar aquilo, que nos vai por dentro e que guardamos em “segredo” de
estado. Com a palavra o poeta:
Jura
de número 34
porque te amo / e
amor não tem pele / nome ou sobrenome / não adianta chamar / que ele não vem /
quando se quer / porque tem seus próprios códigos / e segredos/mas não tenha medo
/ pode sangrar pode doer / e ferir fundo / mas é a razão de estar no mundo /
nem que seja por segundo / por um beijo mesmo breve / por que te amo / no sol
no sal no mar na neve
Jura
63
não sei se escrevo
tanto / não sei se escrevo tenso / um fio elétrico suspenso / com tanta coisa
no Ar / não sei se olho em teu olho / para encontrar a entrada / da porta da
tua casa / onde a palavra estiver / não sei se pinto um Van Gogh / ou escrevo
um Baudelaire
Jura
69
há muito tempo /
não morro mais aqui / minha cidade é desbotada / há muito perdeu o brilho / na
minha voracidade o sol é claro / e a arte que preparo / é o tiro que disparo /
é a arma que engatilho.
Jura
70
meto meus dedos
cínicos / no teu corpo em fossa / proclamando o que ainda possa / vir a ser surpresa
/ porque meu amor não tem essa / de cumer na mesa / é caçador e caça mastigando
na floresta / todo tesão que resta desta desta pátria indefesa / ponho meus
dedos cínicos / sobre tuas costas / vou lambendo bostas / destas botas neo
burguesas / porque meu amor não tem essa / de vir a ser surpresa / é língua
suja e grossa / visceral ilesa / pra lamber tudo que possa / vomitar na mesa /
e me livrar da míngua / desta língua portuguesa.
Com efeito, forçoso
concordar com Tanussi Cardoso, em Posfácio ao livro, que a poesia de Artur
Gomes é “uma poesia do livre desejo e do desejo livre. Nela, não
há espaço para o silêncio: é berro, uivo, canto e dor. Pulsão. Textura de vida.
Uma poesia que arde (em) seu rio de palavras”.
Artur
Gomes
Juras Secretas
Editora Litteralux –
2018
O Homem Com A Flor Na Boca
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